sábado, 14 de março de 2009

Para ler no banheiro 3 - Balada

Por Marcio Ortiz Meinberg

Luiz entrou correndo no banheiro. Baixou as calças e atendeu ao chamado da natureza. Fez um ridículo som de sanfona e sentiu um cheiro horroroso. Aos poucos a dor de barriga foi aliviando.
O maldito remédio tinha feito mal ao intestino. Talvez não devesse ter misturado cerveja com vodca. Enfim, a causa não importa, apenas o resultado.
Justamente hoje que tinha criado coragem para puxar conversa com Simone! E o pior, o papo ia bem, ela parecia afim. Luiz era tão tímido e nunca tomava a iniciativa de xavecar uma mina, mas exatamente quando conseguiu, sentiu que precisava ir ao banheiro.
Não era uma vontade qualquer: seu intestino parecia ter criado vida. Tudo se mexia em sua barriga. Ele sabia que, não importava quanta força fizesse, aquilo escorreria por sua calça.
Foi uma questão de escolha, ou Luiz passava por idiota saindo correndo no meio da conversa, ou passava vexame ao sujar as calças em frente à moça. É melhor fugir e viver para lutar outro dia. Fez opção pela primeira e correu.
Atravessou a sala, empurrou um amigo, esbarrou em uma garota desconhecia, que derrubou um copo e xingou Luiz. O banheiro do andar térreo estava ocupado e tinha fila. Sentiu um melado quente na cueca.
Não podia esperar! Correu pelo corredor e subiu pelas escadas. A festa acontecia na casa de seu amigo Carlos, então ele sabia onde ficavam os banheiros. Ufa!
E assim ele chagara ao banheiro.
Quando a dor de barriga cessou, Luiz resolveu voltar. Ao se levantar percebeu que não foi rápido o suficiente. A cueca estava marrom. Imunda!
Suspirou inconformado. Certamente a essa hora Carlos já estaria urubuzando Simone. Ele sempre foi afim dela, mas nunca teve chance. Entre os amigos Carlos era conhecido como o “valete”, a carta que sempre segura a “dama”, enquanto o “rei” não chega. Resumindo, Carlos era o chato que insistia em xavecar as minas que nunca ficariam com ele, quanto isso atrapalhava os que tinham chance.
Agora isso já não importava. Por mais que Carlos fosse inconveniente, Luiz não tinha do que reclamar, pois estava preso ali no banheiro. Que fazer?
A cueca estava imprestável, valia mais a pena jogar fora. Luiz se limpou com todo o cuidado, pois corria o risco de sujar a calça quando se vestisse sem cueca. Então percebeu que não corria esse risco. A calça já estava suja. Parte do liquido pastoso escorrera por ela.
Carlos estava com sorte, pois não seria incomodado tão cedo. E agora, Luiz? Tirou a calça e atirou a cueca no lixo. Passou um tempo e verificou as calças.
Pegou uma toalha de rosto, molhou com água e passou na sujeira da calça para limpá-la. Olhou bem e percebeu que o lado de fora também estava sujo. Que bosta! Literalmente.
Procurou alguma coisa para vestir no cesto de roupa suja. Apenas peças femininas. A única opção era lavar a calça. A música alta do andar de baixo encobriria o som da água e ninguém perceberia. Após uns minutos a calça estaria seca e Luiz poderia sair do banheiro e pegar uma emprestada de Carlos.
Era um bom plano, mas faltava pôr e prática. Colocou a calça na pia e abriu a torneira. Esfregou o sabonete até fazer espuma. Colocou a calça novamente sob a água.
Alguém tentou abrir a porta. Luiz ficou imóvel, em absoluto silêncio. Quem seria? Como era o banheiro do andar de cima, só podia ser o Carlos. Continuou em silêncio para tentar descobrir quem era.
- Também está ocupado? – uma voz de mulher.
- Parece que tem alguém tomando banho. Tem barulho de água corrente – outra voz de mulher.
Luiz percebeu que tinha esquecido a torneira aberta. Não valia a pena fechar, era melhor fingir que estava no banho.
- Mas o Carlos disse que ninguém ia subir nesse banheiro!
- Deve ser alguém da família. Para tomar banho, né?
- Eu achei que os pais dele tinham ido viajar.
- Sei lá! E a Simone? Você viu que piranha?
- Se liga! Ela só pode estar bêbada! Ela NUNCA beijaria o Carlos!
- Ela beijou?
- Não! Bom, eu não vi se beijou, mas do jeito que ela está se jogando nele vai acabar beijando.
As vozes foram diminuindo e sumiram no som da música. As duas meninas tinham descido.
Luiz só pensava em Simone. A maldita tinha enchido a cara bem no dia em que ele estava impossibilitado. Cretina!
Só faltava essa! Carlos, o valete, ia acabar pegando a mina no lugar de Luiz. Era preciso fazer alguma coisa. Tinha que sair dali. E rápido!
Continuou lavando a calça. Colocou sob a água e esfregou mais uma vez com o sabonete. Após algum tempo conseguiu deixá-la em estado aceitável. Fechou a torneira.
As vozes voltaram e uma delas tentou abrir a porta.
- Continua fechada!
- Por que você não vai lá embaixo?
- Você mesma falou que está um nojo! Além disso, está a maior fila.
- Não está tão sujo assim! É que a Simone vomitou bem ao lado da privada!
- Credo! Será que o Carlos vai ter coragem de beijar ela depois de vomitar?
- Ela beijou ele!?!
- Eu acho que não, mas um dos meninos disse que beijou!
- Puxa, quem estará no banheiro? Está demorando tanto!
- Deve ser alguém passando mal! – risos.
- Será que tá vomitando ou é diarréia? – mais risos.
- Bate e pergunta! – risos histéricos.
- Vai ver que a Simone está trancada com o Carlos ai dentro! – mais risos histéricos.
Os risos desceram a escada.
Luiz estava louco da vida. Por mais bobo que Carlos fosse, ele bem poderia se aproveitar do estado de Simone. Pilantra! Precisava sair do banheiro com urgência, então voltava ao jogo e salvaria Simone de virar piada por ficar com Carlos.
No entanto, para que Luiz pudesse sair do banheiro e intervir no “romance”, era necessário estar vestido e, para isso, precisava da calça. De preferência seca!
Pendurou a calça estendida na porta do box. Agora era só esperar. Sentou na privada e ficou olhando para ela. O maldito jeans ia demorar milênios para secar! Enquanto isso Simone estava indefesa nas garras de Carlos. Talvez ele já tivesse se aproveitado dela. Invejoso filho da puta! Tantas mulheres na festa e ele foi bem na que Luiz gostava. Bastardo!
Luiz deu um soco na parede. Machucou a mão. Ficou olhando a calça pingar. Será que ia demorar muito? Mais de uma hora, no mínimo!
Passos na escada! Alguém corria pelo corredor. Uma cabeçada na porta.
- Blergh! – som de vômito!
Um líquido repugnante escorreu por baixo da porta. Fantástico! Não podia ficar melhor.
- Simone?
Ou podia?
- Você se sujou toda! – era a voz de Carlos.
Pilantra!
- Vem comigo. Tem um banheiro no quarto da minha mãe.
O corredor ficou em silêncio. Só se ouvia os sons da festa e o barulho da música. Alguma coisa de vidro se quebrou no andar de baixo.
Luiz levantou, pegou a calça e torceu na esperança de secar mais rápido. A pendurou novamente e continuou esperando. Sentou-se na privada e abaixou a cabeça. Fechou os olhos e mergulhou nos pensamentos. Sem querer cochilou.
Acordou assustado. O coração batia acelerado. Olhou para a calça, levantou e torceu novamente. Pendurou e voltou para a privada. Que vida injusta!
Passos no corredor.
- Esse banheiro continua trancado. Se tiver alguém ai, ou dormiu, ou morreu. Faz horas que está fechado.
- O Carlos falou que tem outro banheiro aqui no quarto da mãe dele.
- Onde está o Carlos? Ele e a Simone sumiram faz uma hora!
- Imagina! Acabei de ver os dois na cozinha!
As vozes sumiram com o som da porta fechando. Alguns minutos depois o som da porta abrindo revelou as vozes novamente.
- Quer dizer que ela não beijou ele?
- Ele bem que tentou, mas ela estava tão breaca que nem conseguia se manter em pé!
- Ah! Ah! Ah! Ela vomitou nele?
- Isso eu não sei!
As vozes desceram novamente. Abaixou a cabeça e fechou os olhos. Estava com sono.
Acordou com vontade de urinar. Aproveitou que já estava na privada. A barriga e o intestino não doíam mais. Irônico! Agora que já estava na privada o intestino não doía mais!
O som da música estava mais baixo. O barulho dos convidados também. Parecia fim de festa.
Luiz verificou a calça, mas ainda estava úmida. Voltou a sentar na privada. Estava impaciente. Perdera a festa. Talvez tivesse perdido Simone. Mas não havia nada que pudesse fazer senão esperar.
Alguém subiu as escadas correndo, tentou abrir a porta e bateu desesperadamente.
- Abre ai! Abre ai, porra! – era uma voz masculina.
Luiz ficou quieto e fingiu que não ouviu.
O sujeitou tentou abrir o trinco, bateu mais um pouco e desistiu. Desceu correndo as escadas.
Confinado no banheiro, Luiz se resignou a abaixar a cabeça e fechar os olhos. Dormiu.
Quando acordou a casa estava em silêncio. Nenhum som, nenhum barulho. Não havia música. A festa acabou, Luiz! Devia ter dormindo mais de uma hora.
Pegou a calça e percebeu que a mancha marrom não tinha saído, mas que tinha ficado mais discreta. Vestiu, notou que ainda estava úmida e, como estava sem cueca, sentiu frio.
Abriu a porta do banheiro. A casa estava escura e vazia. Caminhou até o quarto da mãe de Carlos e, para seu alívio, a cama estava arrumada.
Foi até o quarto de Carlos para pedir uma calça emprestada. Empurrou a porta e tateou na escuridão. Achou um interruptor e acendeu a luz. Havia roupas espalhadas no chão. Entre elas, peças de lingerie.
Olhou para a cama e viu os corpos nus e entrelaçados: Carlos e Simone.
Filho da puta! Vagabunda! Dormiam profundamente e abraçadinhos.
Tirou a calça suja e jogou no chão. Pegou a calça de Carlos e vestiu.
Saiu da casa com raiva dos dois traidores. Pelo menos aprontara uma boa para Carlos. Quando Simone acordasse, veria a calça suja e pensaria que era de Carlos. Além de nunca mais olhar na cara dele, com certeza ela ia espalhar para todo mundo sobre o Carlos cagão. Com sorte ele ainda ganharia um apelido!
Luiz foi embora feliz. E nem se lembrou que na etiqueta da calça suja estava escrito seu nome e sobrenome. Só ficaria sabendo no dia seguinte, quando Simone começasse a espalhar.

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