sábado, 14 de março de 2009

Para ler no banheiro 1 - Polícia

Por Marcio Ortiz Meinberg

- A saideira!
- Outra não, Roberto! Pede a conta!
- Como não? Dá azar sair do bar sem tomar a saideira!
- Já tá muito tarde! Além disso, já tomamos quatro saideiras!
- Que isso? Nós tomamos o “s” da saideira, o “a” da saideira, o “i” da saideira e o “d” da saideira. Ainda falta o “e”, o “i” de novo, o “r” e o “a”!
- Pára com isso, Roberto! Pede a conta que eu preciso ir embora! Já tá muito tarde!
- Tarde nada! A noite mal começou!
- Você fala isso porque não mora na periferia. Lá pros meus lados a situação tá foda! Uma facção criminosa atacou as delegacias de polícia e matou uns trinta PMs.
- Não acredito que você tá com medo disso! Você não é gambé! Desencana!
- Acontece que essa facção criminosa também botou fogo em ônibus, metralhou uma bilheteria do metrô e jogou bomba em agência bancária. Além disso, a polícia está descontrolada: tão matando gente adoidado! Basta ficar moscando na rua e vira suspeito. Tenho mais medo de morrer na mão dos policia do que de encontrar com um ladrão!
- Ah! Que besteira! Fica ai que não vai rolar nada!
A insistência de Roberto não deu frutos, seu amigo deixou 20 conto e foi embora.
- Desce mais uma, garçom! – Roberto que não tinha medo de polícia e nem de facção criminosa decidiu continuar mesmo sem companhia.
Quase duas horas depois, já havia bebido o “e”, o “i”, o “r” e o “a” da saideira. Deu-se por satisfeito (mesmo porque a grana tinha acabado) e resolveu ir embora. Pagou a conta com o dinheiro amassado e saiu pela rua com seu passo bêbado.
Chegou no ponto de ônibus e ficou esperando. Depois de alguns minutos, resolveu fumar um cigarro. Ônibus de madrugada é uma desgraça que demora para passar. Quando passa...
Jogou a bituca no chão, pisou em cima e continuou esperando. Era uma noite escura, apesar da lua cheia. O céu nublado bloqueava a luz da lua, mas a lâmpada fraca do poste cumpria seu papel.
De repente, Roberto sentiu uma incômoda pressão na bexiga. “Merda! Devia te ido no banheiro do bar!”. Enquanto esperava o ônibus, a vontade de urinar foi crescendo.
“Vou mijar aqui mesmo! Assim que aquelas velhas passarem vou molhar o poste!”. Aguardou as duas senhoras atravessarem a rua e, quando já estavam longe, foi até o poste.
Ia abaixar a calça quando ouviu uma buzina e foi iluminado pela luz de faróis. “Caralho, será que esses carros passando vão me ver mijando? Foda-se! Vou mijar assim mesmo!”.
Abaixou a calça e apontou para o alvo, quando viu um ônibus virando a esquina. Por causa da bebedeira, não conseguia ler o nome da linha. “E se for o meu? Vai levar uma hora pra passar outro!”. Recolheu o membro e segurou a vontade. Correu de volta para o poste e esperou o busão.
O coletivo parou e ele pôde ler o nome. Não era o dele. “Que vontade de mijar, porra!”. Algumas pessoas desceram no ponto e Roberto ficou segurando a vontade até que eles se fossem.
Foi de novo até o poste e começou a mijar. Que alívio! Ouviu enfurecidas buzinadas e novamente foi iluminado por faróis. Um carro passou e alguém de dentro gritou:
- Pega mijão!!!
“Filho da puta!”, a tensão havia travado tudo e Roberto, apesar da vontade, não conseguia mais urinar. Concentrou-se, enrijeceu todos os músculos do corpo e nada! Continuou fazendo força, levantou os calcanhares e saiu um tímido esguicho de urina.
Aos poucos, conseguiu urinar normalmente, quando outro ônibus virou a esquina. “Será que é o meu?”. Decidiu não arriscar. Interrompeu o fluxo e voltou para o ponto. Dessa vez era o ônibus certo. “Eu seguro a vontade ate chegar em casa”.
O ônibus estava vazio. Além de Roberto, do motorista e do cobrador, só mais cinco passageiros. O que era bom, pois significava uma viagem rápida por não ter que parar muito.
O coletivo seguiu pela rua deserta, pegou velocidade e começou a subir a ladeira. Por causa do peso, não tinha força para manter o veículo e diminuiu a velocidade. Quando chegou no alto, Roberto pensou: “Ótimo! Agora ele engrena na descida e logo estou em casa!”.
Começou a descer, pegou velocidade, mas logo teve de frear porque havia pessoas no ponto. “Saco! Por que esse playboyzinhos tem que voltar bem há essa hora?”.
Os dois playboyzinhos entraram e o ônibus novamente se pôs em movimento. Roberto sentiu a pressão na bexiga incomodando: a vontade de urinar se tornara incontrolável.
A cada curva, a vontade crescia. Roberto tentava pensar em outra coisa, mas a natureza era mais forte. O ônibus passou por uma rua de paralelepípedos e durante o trepidar ele quase molhou as calças.
Fechou os olhos e se concentrou: aquele corpo era seu e lhe devia obediência! Mas o ônibus parou de novo. Um casal desceu e a viagem recomeçou.
Roberto se imaginou chegando em casa, com o banheiro todo para si. Que alegria! A vontade ficou mais forte e ele achou melhor não pensar em banheiros. Tentou se distrair, mas a vontade era muito intensa.
Ele pressionou o banco da frente com as duas pernas estendidas e respirou fundo. Um arrepio percorreu sua nuca. O ônibus freiou e parou de novo. Um dos playboyzinhos desceu. E demorou a descer. “Vai logo, seu filho de uma puta!”.
O ônibus seguiu e entrou em uma avenida. “Estou bem perto de casa! Vou conseguir!”. Foi quando sentiu o estalo no intestino. Também tinha vontade de cagar!
Ao longo do percurso, suava frio. Apertou os punhos e segurou. Se não conseguisse segurar o mijo corria o risco de se embostear em pleno busão. Fechou os olhos.
Quando freiou de novo, achou que não ia agüentar, mas conseguiu. O segundo playboyzinho desceu.
Roberto se inclinou um pouco, levantou um lado da bunda e soltou um peido comprido. Teve um alívio momentâneo, ms logo sentiu outro estalo no intestino. Agora a pressão se tornara insuportável.
Levantou-se e andou pelo ônibus. A vontade se aliviou um pouco. Voltou a sentar. Teve de fazer o maior esforço do mundo para evitar o vexame.
Num pulo, Roberto se levantou e deu sinal para descer. O ônibus andou ainda cem metros antes de parar. Ele voou para fora, tentando se controlar. Desesperado, olhou na em volta, procurando algum lugar para fazer as necessidades. Havia um terreno baldio!
Outro passageiro do ônibus também tinha descido, então Roberto não pôde sair correndo sob risco de dar bandeira. Manquitolante, enquanto usava suas últimas forças, seguiu com discrição para o terreno. Parou em frente e observou ao redor para ver se alguém estava observando. Ninguém!
Pulou para o meio do mato, abaixou as calças e fez tudo ali mesmo. Não levou nem um minuto. Sentia-se leve, uma outra pessoa. Subiu as calças e voltou para a rua. Tinha descido um ponto antes de casa, mas valera a pena!
Podia seguir pela avenida conforme o trajeto ônibus, mas daria uma volta enorme. Valia a pena cortar caminho pelo meio da quebrada.
Foi seguindo por ali, em meio às ruas esburacadas e os casebres de concreto aparente. Não gostava de andar por ali, mas a bebedeira lhe dera coragem. Se durante o dia já era arriscado, o que diria a noite.
Foi andando pelas ruelas estreitas e estava quase em casa. “Que facção criminosa que nada! Quero ver quem é macho de vir pra cima de mim!”.
Entrou uma rua escura, as lâmpadas do poste deviam estar quebradas, mas conseguia ver a luz da esquina. Foi andando com cuidado, tanto pela escuridão quanto pela tontura causada pelo álcool. De repente tudo ficou claro!
- Parado ai! Encosta a mão na parede, vagabundo!
Uma forte luz branca ofuscava Roberto. O que seria isso? Quem teria gritado?
- Eu mandei encostar! Tá surdo seu filho da puta?!
Apesar de ofuscado, Roberto conseguiu visualizar o contorno de três policiais com colete à prova de balas e fortemente armados ao lado de um camburão da PM. Um deles segurava uma lanterna fortíssima e os outros apontavam espingardas para ele.
Achou melhor obedecer e encostou as mãos na parede. Devia ser uma revista de rotina. Roberto conhecia algumas pessoas que já tinham tomado enquadro, então sabia que os gambés gostam de chutar o pé de quem não abre a perna para ser revistado. Precavido, afastou bem as pernas como se fosse um ginasta olímpico.
Tomou um chute no pé e quase caiu abrindo spaccati.
- Tá tirando o polícia, marginal? Pelo visto você é ladrão! Até conhece o procedimento...
- Não, é que você...
Tomou um tapão na cabeça.
- “Você” o caralho! Chama o sargento de “senhor” porque ele é autoridade!
- Mas eu...
Outro tapão.
- Cala a boca, ladrão! Só responde o que eu mandar!
Roberto engoliu em seco e virou-se para discutir com o policial. Assim que se virou, um dos PMs apertou seu pescoço contra o muro e encostou uma Glock 20 prateada em sua testa.
- Qual é, bandido? Vai reagir?
Diante de tais argumentos, virou de costas e encostou no muro. Foi revistado pelos gambés e tomou um tapão embaixo do saco. Conteve a dor e não deu um pio.
- Você é da facção criminosa, né marginalzinho? Você que botou fogo no ônibus ali na avenida, não foi?
- Eu não! Nem sabia disso! Você tá me confundindo!
- “Você” não, porra! É “senhor”! – tomou outro tapão.
- Senhor, eu não tenho nada a ver com isso!
- Ah, é? Então o que ce tá fazendo aqui?
- Eu tô chegando do centro. Moro lá pra cima!
- E como veio parar aqui na quebrada? Veio a pé?
- Não, senhor. Vim de busão!
- Olha lá! – disse o PM da lanterna – Já confessou! Falei que basta apertar e eles contam tudo?
- Não! Não! Eu vim de ônibus, mas nem sabia disso! Eu moro lá pra cima, perto da igreja!
- Então por que não desceu no ponto da igreja? Por que está aqui na quebrada de baixo?
- Eu desci para ir no banheiro! Eu juro!
- Aaaah! Conta outra! Perdeu, ladrão! Agora vai pagar pelo que a sua facção fez com os nossos colegas!
Roberto sentiu a perna bambear. Tinha muito medo. Suava frio e um arrepio subiu pela espinha. Não queria morrer assim.
- Não, senhor! Eu não sou de facção criminosa! Sou trabalhador! Sou estudante universitário!
- Cadê o documento? – perguntou o sargento.
Tinha esquecido a mochila no ônibus! Roberto quase desmaiou, mas foi agarrado pelos policiais e jogado no camburão. Lá dentro viu que havia mais duas outras pessoas, todos com cara de cu. Um deles tinha o lábio inchado e o outro um olho roxo.
Ficaram ali por uma meia hora, os três em silêncio. A porta do camburão abriu e o sargento falou:
- Alguém quer confessar? Isso facilitaria muito meu trabalho!
Diante do silêncio dos três, o sargento deu espaço para os dois policiais entrarem com cassetetes em mãos.
- Confessa, vagabundo! Fala logo e eu deixo você viver! Conta tudo, marginal!
Roberto e os outros dois “suspeitos” foram espancados, mas não confessaram. Apenas imploraram pela vida. Após uns minutos, os policiais cansaram de bater nos presos e fecharam o camburão.
O carro da PM andou até a avenida e parou ao lado de um ônibus pegando fogo. Uma pequena multidão de curiosos se aglomerava para ver o que os policiais traziam.
Quando o camburão foi aberto, os três “suspeitos” quase foram linchados pela multidão, mas os gambés abriram espaço batendo no povo com os cassetetes. Foram levados até um senhor com um ferimento na testa.
Roberto reconheceu o senhor ferido. Era o motorista do ônibus.
- Foi algum deles? – perguntou o sargento com voz firme.
- Foram esses dois – respondeu o homem.
- E esse aqui?
- Ele também estava no ônibus, mas desceu um ponto antes.
Roberto respirou aliviado! Finalmente o mal entendido seria desfeito.
- Mas ele estava agindo em conduta suspeita – disse uma voz vinda de trás.
Roberto se virou para ver e reconheceu o cobrador do ônibus. Tinha uma bandana nos olhos.
- Ele não parou quieto o percurso inteiro. Parecia nervoso! Ficava levantando e sentando, como se fosse fazer alguma coisa. Além disso, largou a mochila no coletivo! – disse o cobrador.
- Minha mochila! Ela tem meus documentos!
O sargento ficou encarando Roberto. Alisou o bigode e perguntou para o motorista e para o cobrador:
- Cadê a mochila dele?
- Tá ali! – o cobrador apontou para o ônibus em chamas.
- Já era, ladrão! Era na sua mochila que tava a gasolina! É por isso que você desceu antes!
- Não! Não! Eu não fiz nada!
A turba ensandecida tentou linchar os três “suspeitos”, mas os policiais não deixaram. Enfiaram os três no camburão e saíram em disparada. “Na delegacia eu esclareço tudo”, pensou Roberto.
Somente depois de meia hora ele percebeu que não ia para a delegacia. O camburão parou em um terreno baldio longe de tudo. Os policiais tiraram os três e os jogaram no chão. Estava a maior escuridão.
- De joelho! Os três de joelho!
Roberto se ajoelhou, estava no meio dos outros dois “suspeitos”. Os policiais ficaram atrás deles e o sargento encostou uma pistola na nuca do primeiro.
- Me dá um motivo pra não te matar, ladrão!
O homem começou a chorar.
- Não fui eu! Não tenho nada a ver com isso! Não queimei ônibus nenhum! Tão me confundindo com outra pessoa! Não sou de nenhuma facção criminosa! Estou desempregado, mas nunca fui preso! Tenho mulher e três filhos pequenos pra criar!
- Ninguém perguntou pro meu parceiro se ele tinha mulher e filhos pra criar. E mesmo assim vocês fuzilaram ele anteontem.
O policial apertou o gatilho e a cabeça do homem explodiu. Sangue e miolos se espalharam pelo rosto de Roberto. Horrorizado, ele tentou gritar, mas vomitou antes.
- Se ele falou a verdade, tem um desempregado a menos no mundo. Estamos acabando com o desemprego! – disse o sargento.
Os outros policiais gargalharam.
Apavorado, Roberto levantou a cabeça pronto para enfrentar seu destino.
- Me dá um motivo para não te matar, marginal!
Roberto respirou fundo e desabou a chorar:
- Eu sou estudante! Não tenho nada a ver com isso! Eu não quero morrer! Só estava no ônibus porque moro por ali! Não é justo me matar só porque desci antes do ponto para ir no banheiro!
- Outra vez essa história de banheiro? – gritou o sargento enquanto engatilhava a arma – Você pensa que a gente é trouxa?
O policial encostou a arma na nuca de Roberto. Ele fechou os olhos e ouviu disparos repetidos. Atirou-se no chão.
Achava que tinha morrido, quando viu um clarão e percebeu que os disparos continuavam. Eram rajadas de metralhadora.
Quando os disparos cessaram, Roberto levantou a cabeça com cuidado. Os policiais estavam mortos.
Do meio do mato saíram alguns homens portando metralhadoras.
- E ai, malandragem? O que tá pegando?
- Puta que pariu! Achei que dessa vez eu morria!
Roberto olhou e o outro “suspeito” conversava com os homens de metralhadora.
- Botei fogo no busão, mas os gambés me pegaram! O Uélinton fugiu, mas os gansos prenderam esse moleque e aquele cara ali morto. Acharam que eles também eram da facção.
Risos gerais.
- Como os gambés são burros! Ainda mataram um cara que não tinha nada a ver!
- E o moleque? Vai ficar vivo?
- Deixa ele. Duvido que ele procura os policia pra entregar a facção!
Mais risos.
O “suspeito” e os outros homens da facção sumiram no mato. Roberto continuou ali por algum tempo. Quando se recompôs, levantou e foi segundo em direção a um terreno iluminado. Logo encontrou uma avenida. Estava longe de casa, muito longe!
Continuou andando e passou por uma vitrine. Viu seu reflexo: estava todo machucado, sujo de sangue e tinha uma mancha escura na calça, na altura da virilha.
Tinha mijado nas calças. De medo!

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