sábado, 14 de março de 2009

O clube de chorinho

Por Marcio TAQUARAL


Eduardo entrou no Hotel Bronx com uma garrafa de uísque embaixo do braço e pediu um quarto de solteiro. A atendente olhou com desdém, entregou-lhe a chave do quarto 21 e pediu que já deixasse pago. Certamente era a orientação da casa para os hospedes que parecessem estar procurando um lugar para o suicídio. Isso mesmo, o Bronx era um decadente hotel de última qualidade, que ficava no pedaço mais feio do centro velho, e só era freqüentado por prostitutas, drogados e suicidas.

Subiu dois lances da escada mal iluminada e atravessou o corredor estreito procurando o quarto 21. As paredes já não viam uma mão de tinta há algum tempo e o pouco que restara nelas estava descascando. O chão de madeira por baixo do carpete imundo rangia conforme os passos de Eduardo, mas mesmo assim era possível ouvir os gemidos forçados de uma profissional da noite e uma conversa sem sentido entre um provável traficante e seu cliente.

Quarto 21. Eduardo colocou a chave na fechadura, mas nem precisava, pois o quarto estava destrancado. Entrou e trancou com duas voltas. Ficou em pé ao lado da porta, no escuro, sentindo o cheiro de mofo e observando os móveis. Colocou a garrafa de uísque na mesa de cabeceira e se sentou na cama.

Ele não bebia e recebera a garrafa como prêmio de consolação por ter sido demitido na firma em que trabalhara por quase quinze anos. Mesmo assim, tinha dado duro no seu último dia de emprego e estava com o corpo moído de tanto trabalhar. Ele só queria uma cama confortável para dormir, já que não podia voltar para casa, de onde fora expulso pela esposa uma semana antes. Durante os dias anteriores, tinha se acomodado em um hotel menos decadente na mesma região, mas com a demissão preferiu economizar e escolher uma opção mais barata. Exagerou um pouco na medida...

Suicídio nunca passou pela cabeça de Eduardo, ele só tinha entrado no Hotel Bronx a procura de descanso. Mas, influenciado por aquela atmosfera deprimente começou a ter idéias. Tirou o paletó amarrotado e colocou no encosto da cadeira bamba, tirou a gravata e abriu os botões da camisa. Um por um. Tirou os sapatos, as meias e a calça. Percebeu o cheiro do chulé. Colocou tudo na cadeira.

Foi ao banheiro e abriu a torneira. Saiu uma água cor de ferrugem. Deixou escorrer por alguns minutos para ver se clareava. Escovou os dentes e fechou a porta para urinar. Então lembrou que estava sozinho no quarto e que a megera da esposa não ia reclamar dos maus modos dele. Mijou de porta aberta pensando que não devia mais satisfações a ela.

Voltou para o quarto e tentou ligar a televisão, mas nenhum canal pegava direito. Desistiu. Sentou na cama com a parede encostada na parede e ficou tentando traduzir a conversa sem sentido do quarto ao lado. Olhou para a garrafa de uísque pensando se aquela não seria uma boa ocasião para começar a beber.

Pegou um cigarro no maço e acendeu. Deu algumas baforadas e ficou assistindo o desenho esbranquiçado da fumaça. Levantou e abriu a janela. Ficou fumando ali, apoiado no batente e olhando para a rua.

Pela janela podia ver uma paisagem quase tão bela quanto seu quarto. A rua estava escura, as lojas todas fechadas com suas portas de aço e sacos de lixo empilhados nos postes. Ainda nenhum cachorro ou morador de rua tinha ido até eles em busca de alimento. Bem no fundo, como uma moldura, podiam ser vistos os belos arranha-céus da parte não-apodrecida do centro e alguns luminosos coloridos de neon. A noite era cortada pelo som irregular dos carros, das buzinas e das sirenes. Atrás da rua havia um grande viaduto por onde enormes caminhões passavam rapidamente, iluminando Eduardo com seus faróis. Quando passavam o quarto todo tremia e os vidros faziam barulho.

Apesar disso tudo, Eduardo pode identificar um som perdido no meio da noite. Algo que parecia uma flauta, ou um clarinete. O som estava abafado, mas também podia se ouvir um violão e uma batida. Ele afinou os ouvidos e tentou identificar a origem do som. Bem ali, em um prédio antigo, com aparência tão abandonada quanto os demais, podia se ver uma pequena porta aberta em meio à escuridão. Dentro da porta uma lâmpada piscava e de lá parecia sair o som.

Eduardo não saberia precisar por quanto tempo ficou ali, tentando identificar o som, procurando sua origem e simplesmente observando a porta. Além disso, passou outro tempo decidindo se ia até lá. Enfim, algum tempo depois, ele saiu do Hotel Bronx, atravessou a rua escura cheia de sacos de lixo e foi até a pequena porta. Desceu para um porão e chegou a um ambiente que parecia um bar. Havia algumas mesas e um balcão comprido. No meio do salão havia três músicos em volta de uma pequena mesa de centro, com duas garrafas de cerveja, alguns copos e um cinzeiro transbordando. E de lá saia o chorinho.

Encostou num canto apertado do balcão e ficou ali esperando vagar uma mesa. Após meia-hora conseguiu se sentar. Ele destoava do publico jovem que dançava e conversava animadamente, mas isso não fez com que se sentisse menos a vontade. Pediu um caldo de feijão e uma água com gás. Fumou alguns cigarros, assistiu o fim da apresentação, pagou a conta e voltou para o Hotel Bronx.


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