domingo, 1 de janeiro de 2012

LIVROS 2011



A lista tem 69 itens, mas 6 não foram completados (The Tempest, Curso de Direito Administrativo, On War, Curso Avançado de Processo Civil Vol. 1, Os Donos do Poder e Teoria Pura do Direito).

Foram 21 obras literárias, 43 jurídicas e 5 teóricas não jurídicas. Das literárias, 10 eram de autores Brasileiros e 11 estrangeiros. Das jurídicas, 15 foram obras completas, 10 eram trabalhos acadêmicos (Dissertações de Mestrado ou Teses de Doutorado) e 18 capítulos ou artigos. Ainda dentro das obras jurídicas, 10 foram lidas para prestar a prova de ingresso no Mestrado em Direito Constitucional na PUC-SP, 29 foram cursando o Mestrado e 4 foram lidas por motivos diversos.

Os livros não completados continuarão na lista de 2012, dessa forma a lista de 2011 fica consolidada com apenas 63 obras.

  • Elementos de Direito Constitucional - Michel Temer
  • O Alienista - Machado de Assis
  • Menino de engenho - José Lins do Rego
  • Curso de Direito Constitucional - Paulo Bonavides
  • Desobediência Civil: Direito Fundamental - Maria Garcia
  • Curso de Direito Constitucional - Celso Ribeiro Bastos
  • Primeiro como Tragédia, Depois como Farsa - Slavoj Žižek
  • Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental: Alguns Aspectos Controversos – Ingo Wolfgang Sarlet
  • Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental: Aspectos Essenciais do Instituto na Constituição e na Lei – André Ramos Tavares
  • O Mundo de Sofia - Jostein Gaarder
  • Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade – Regina Maria Nery Ferrari
  • Controle de Constitucionalidade: Aspectos Jurídicos e Políticos – Gilmar Ferreira Mendes
  • La Constituición y el Tribunal Constitucional – E. Garcia de Enterria
  • Interpretação e Aplicabilidade das Normas – Celso Bastos e Carlos Ayres Brito
  • Aplicabilidade das Normas Constitucionais – José Afonso da Silva
  • Curso de Direito Constitucional - J. H. Meirelles Teixeira
  • Liberdade de Expressão e Liberdade de Informação: Limites e Formas de Controle - Álvaro Rodrigues
  • O Poder Constituinte – Manuel Gonçalves Ferreira Filho
  • Liberdade de Expressão e o Discurso do Ódio - Samantha Ribeiro Meyer- Pflug
  • Poder Constituinte – Celso Antônio Bandeira de Mello
  • Tempo de Antena: Elementos para um debate sobre Democratização e Participação na Televisão - Roberto Machado dos Santos Júnior
  • Uma Visão Atualizada do Poder Constituinte – Jorge R. Vanossi
  • Proteção Constitucional do Sigilo da Fonte na Comunicação Jornalística - Benedito Luiz Franco
  • O Poder Constituinte: Prefácio - Nelson Saldanha
  • O Direito à Informação e as concessões de Rádio e Televisão - Vera Maria de Oliveira Nusdeo Lopes
  • La Reforma Constitucional: El Constitucionalismo del 'por venir". La Reforma de La Constituición - José Roberto Dromi
  • Internet & Direito: Liberdade de Informação, Privacidade e Responsabilidade Civil - Liliana Minardi Paesani
  • Escritos de Derecho Constitucional: Introdução - Konrad Hesse
  • Publicidade Comercial: Proteção e Limites na Constituição de 1988 - Vidal Serrano Júnior
  • Direito de Resposta na Comunicação Social - Vital Moreira
  • As Brumas de Avalon II: A Grande Rainha - Marion Zimmer Bradley
  • Origens e Caracteres do Moderno Constitucionalismo - Santi Romano
  • Direito e Jornalismo - Vidal Serrano Nunes Júnior
  • As Brumas de Avalon I: A Senhora da Magia - Marion Zimmer Bradley
  • Odisseia - Homero
  • O Egípcio - Mika Waltari
  • Os Novos Robôs - Isaac Asimov
  • Lavoura Arcaica - Raduan Nassar
  • A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade
  • A Essência do Poder Constituinte - Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia
  • Teatro completo de Nelson Rodrigues Vol. 2 - Nelson Rodrigues
  • A Paixão Segundo G. H. - Clarice Lispector
  • Libertinagem e Estrela da Manhã - Manuel Bandeira
  • Teatro completo de Nelson Rodrigues Vol. 1 - Nelson Rodrigues
  • Ética, dialética e Constitucionalismo - Renato Mehanna
  • Direito Constitucional e Teoria da Constituição - José Joaquim Gomes Canotilho
  • Interpretação e Mutação Constitucional - Anna Luisa Walter de Santana Daniele
  • Constituinte Reformador: Limites e Possibilidades na Revisão Constitucional Brasileira - Maurício Antonio Ribeiro Lopes
  • Reflexões sobre a Legitimidade e as limitações do Poder Constituinte, da Assembleia Constituinte e da Competência Constitucional Reformadora - André Ramos Tavares
  • O Poder Reformador na Constituição brasileira de 1988 e os limites jurídicos às reformas constitucionais - Vladmir Oliveira da Silveira
  • Hermenêutica e Interpretação Constitucional - Celso Bastos
  • Interpretação das Normas Constitucionais–Especificidade - Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Brito
  • La interpretación Constitucional - Konrad Hesse
  • O Príncipe - Nicolau Maquiavel
  • A Pirâmide da Solução dos Conflitos - Roberto Ferrari de Ulhôa Cintra
  • A Hora da Estrela - Clarice Lispector
  • João, o Peregrino - Mika Waltari
  • 1822 - Laurentino Gomes
  • Curso de Direito Constitucional Tributário - Roque Antonio Carrazza
  • O Velho e o Mar - Ernest Hemingway
  • Casa Nobre - James Clavell
  • A Arte da Guerra - Sun Tzu
  • Julius Caeser - William Shakespeare

sábado, 17 de setembro de 2011

A Despedida do Velho Leão


Assim que o portão se abriu
Todos os cachorros fugiram
Mas bastou um assobio para retornarem
Todos menos o Leão

Encontramos ele deitado na esquina de nossa antiga rua
O velho Leão
Cego de um olho, surdo e que mal andava
Deitou-se no começo de nossa antiga rua

Passei alguns minutos com ele
Mas ele não queria voltar
Então decidi dar uma ultima volta
Com o velho Leão pela nossa antiga rua

Tudo era diferente na nossa antiga rua
As casas
As pessoas
Os jardins
Até mesmo os cachorros

E o velho Leão
Cego de um olho, surdo e que mal andava
Parou em frente ao portão
Daquela que um dia foi a nossa antiga casa
A casa em que ele nasceu e cresceu já não exista mais
Naquele lugar havia uma nova casa, com novas pessoas, um novo jardim e novos cachorros

Mas o velho Leão era cego
Passeou pela nossa antiga rua exatamente como era
E visitou nossa velha casa como ela sempre foi
Naquele dia ele esteve de volta
Correndo junto com seus irmãos ainda filhotes

sexta-feira, 22 de julho de 2011

O Tesouro da Estrada Real

Por Marcio Ortiz Meinberg


ÍNDICE

1 - Vila Rica de Ouro Preto
2 - São João del-Rei
3 - Estrada Real
4 – Paraty
5 – Piratas
6 – A Batalha



1 - Vila Rica de Ouro Preto
Toda semana ocorria uma feira de tropeiros no centro da Vila Rica. Era a ocasião perfeita para comercialização de tecidos grosseiros, artesanato, ferramentas para mineração, especiarias diversas, arreios, utensílios domésticos, pólvora e armas de fogo. Além dos tropeiros, a feira atraia grande parte dos moradores da vila e seus arredores. Mineiros novos, ainda entusiasmados por um futuro de glória e riqueza compravam seus primeiros equipamentos, enquanto veteranos mineiros, já calejados e sem esperança, vendiam suas ferramentas usadas para não morrer de fome. Em meio à confusão passeavam senhoras de família e senhoritas nem tanto, apenas para ver o movimento. Era o tipo de situação ideal para a atuação de punguistas, como o pequeno menino Duarte, especializado em bater carteiras e bolsas de transeuntes.
O menino Duarte era um dos muitos órfãos de Vila Rica, filho de uma escrava liberta que nunca conheceu o pai. Antes de morar, sua finada mãe jurava de pés juntos que Duarte era filho de um bandeirante que tinha continuado nas Gerais apesar da derrota na Guerra dos Emboabas.
Circulava rapidamente entre as pernas dos transeuntes, gingando e esbarrando esporadicamente em um ou outro passante. Em um destes esbarrões ocasionais, subtraiu uma bolsa de moedas. Pelo peso parecia estar cheia, mas Duarte era esperto o suficiente para esconder a bolsa no meio de sua camisa velha amarrotada e suja, antes que alguém visse. Afinal, seria muito suspeito que um órfão maltrapilho portasse uma bolsa tão rica.
Apesar da velocidade e destreza, o ex-proprietário da bolsa sentiu falta da mesma e num breve relance localizou Duarte. Tratava-se de um gordo comerciante da cidade, acostumado com ações furtivas dos pequenos larápios de Vila Rica e que conhecia Duarte de outros carnavais. Apontou, acusou e começou a gritar.
Dois guardas portugueses ouviram a gritaria e, reconhecendo o rico comerciante, imediatamente colocaram-se em perseguição ao órfão. Duarte era mais rápido que os dois soldados e tinha a vantagem de não trajar um garboso e desajeitado uniforme militar. Correu pela praça e desceu por uma ladeira. Nem as pedras irregulares das ruas atrapalhavam a fuga, uma vez que seus pés descalços já estavam calejados o suficiente.
Os guardas tinha ficado para trás. Então entrou em um sobrado onde havia uma loja de tecidos de cores diversas. Correu para os fundos da loja e saiu para o quintal. Pulou o muro de madeira e caiu em um terreiro cheio de galinhas. Correu e pulou o muro dos fundos, chegando em uma outra viela. Correu para a esquina e esbarrou em um homem enorme. O impacto inesperado atirou o pequeno Duarte para trás, que caiu de costas e ficou sem ar. Mas, antes de desmaiar, pôde vislumbrar as divisas azuis no uniforme dos soldados.
O pequeno Duarte foi jogado em uma cela úmida no escuro calabouço que ficava na parte subterrânea da Cadeia de Vila Rica. Assim que acordou, foi socorrido por um homem negro magrelo e desdentado, que lhe serviu uma cuia de água. Além dele, havia na cela outro prisioneiro, que pelas vestimentas aparentava ser português.
- É, menino! Você deu uma bela despistada naqueles soldados de meia pataca! Eles nem agüentaram continuar a corrida. Pena que você deu azar e saiu bem na viela em que eles pararam para descansar... Meu nome é Chico, sou um escravo forro. Comprei minha liberdade a peso de ouro e agora tenho minha própria mina. Infelizmente me flagraram com ouro em pó sem passar pela Casa de Fundição.
- Prazer, meu nome é Duarte. Sou um pequeno órfão e roubo apenas para comer. E você? – perguntou para o português.
- Eu sou Felipe, sou um alfaiate aqui de Vila Rica. Fui preso acusado de conspiração. Faço parte de um grupo de patriotas que luta contra a opressão da coroa sobre a colônia. Defendemos o fim das casas de fundição e autonomia para as Câmaras das Vilas.
- Puxa, seria muito bom se alguém conseguisse acabar com essas casas de fundição! – comentou Chico – Eu até gostaria de ajudar, pena que vão nos enforcar até o final do dia. Se eu conseguisse fugir, podia...
Chico ouviu passos na escada e se calou. Desceram dois soldados e um deles bateu na grade da cela com um porrete:
- Sem conversa fiada! Vocês três vão ser levados para a praça do pelourinho, onde serão enforcados.
O guarda pegou um cadeado enorme e abriu a porta da cela com uma das chaves. Os três prisioneiros foram colocados em grilhões nas mãos e nos pés e levados para cima. Na rua, havia uma pequena guarnição de 5 soldados para acompanhar. Um soldado foi na frente, batendo nas pessoas com o cabo da espada para abrir passagem.
Quando chegaram na esquina da rua da cadeia, uma carroça com a roda quebrada impedia a passagem. Mas antes que os guardas tivessem tempo de reagir, surgiu alguém na janela do sobrado e gritou:
- Viva a liberdade! Abaixo a Casa de Fundição! – e fuzilou um soldado com um bacamarte.
Um dos guardas revidou e alvejou o homem da janela. Nessa hora começou um intenso tiroteio. Os soldados ficaram acuados, pois não conseguiam identificar quem eram os atiradores. No meio da confusão, Duarte conseguiu se esticar até o corpo do guarda morto e pegou a chave dos grilhões, soltando-se e aos outros dois prisioneiros.
Felipe golpeou um dos guardas pelas costas e lhe tomou a arma. Um soldado que estava atrás da carroça atirou nele, mas errou. Felipe apontou e deu um tiro certeiro que atirou longe o corpo do soldado. Pegou no chão uma espada e partiu para cima de um outro. Em poucos minutos o combate terminou, com vitória dos conspiradores.
O grupo dos conspiradores era composto por dois tropeiros, um pequeno comerciante e um mineiro. Um dos tropeiros tinha sido ferido na perna por uma bala, mas não corria risco de morte.
- Vamos fugir daqui antes que apareçam mais soldados! – disse Felipe.
- Me sigam! – disse Duarte.
O menino guiou os demais por uma seqüência aleatória de ladeiras e vielas, subindo morros, entrando em lojas e se misturando à turba. Após uma hora sem serem incomodados, sentiram-se seguros e pararam em uma bica para descansar.
- E então, Chico? Você continua disposto a lutar pela nossa causa ou eram apenas as últimas palavras de um homem condenado à forca? – perguntou Felipe.
- Claro que apóio! Apoio qualquer luta contra as casas de fundição! Pena que não posso lutar, pois minha índole é muito pacífica e tenho horror a armas de fogo. Mas estou disposto a dar metade do meu ouro para vocês!
- Como assim? – perguntou Felipe – Você tem mais ouro?
- Tenho sim, senhor! Faz um tempo que estou contrabandeando ouro em pó. Quando me prenderam, eu tinha apenas uma pequena quantidade comigo! Meus amigos fugiram com o resto do ouro para a Vila de São João del-Rei, onde iam tentar arranjar uma forma de esconder tudo. Espero que tenham conseguido chegar lá, pois patrulhas de soldados estão revistando todos os viajantes.

*          *          *


2 - São João del-Rei
Na manhã seguinte, assim que o galo cantou os sete viajantes caíram na estrada que levava a Vila de São João del-Rei. A trilha era relativamente larga, não muito íngreme e na maior parte do percurso ficava à sombra de grandes árvores e da mata fechada. Em suma, apesar de longa, não era uma viagem difícil, afinal estavam todos montados.
Após algumas horas de viagem, pararam rapidamente para comer e seguiram em frente. Cruzaram com dois tropeiros que seguiam na direção oposta, sentido Vila Rica. Mais adiante tiveram que passar por um rio e logo depois encontraram um repouso coberto, provavelmente construído por tropeiros que freqüentavam bastante aquele trecho. Aproveitaram para descansar e esperar o sol diminuir.
Retomaram a viagem e seguiram por mais algumas horas, até que encontraram um posto de registro, que era um pequeno agrupamento de soldados que cobrava pedágio dos viajantes.
- Ôa, viajantes! – saudou um dos guardas - De onde vem e para onde vão? Qual o motivo dessa viagem?
- Somos tropeiros e estamos levando produtos de Vila Rica para vender na Vila de São João del-Rei – respondeu Felipe.
- Que tipo de produtos?
- Principalmente tecidos.
- Não tem tecido em São João? Precisam comprar tudo de Vila Rica? Esse povo é muito enjoado!
- Não sei, senhor soldado. Só sei que compro barato em Vila Rica e vendo caro em São João del-Rei. Assim sustendo meus 12 filhos.
- Muito bem. Paguem a taxa por cada animal de carga e podem seguir viagem. Tomem cuidado durante a noite porque alguns índios carijós andam pela região atacando tropeiros para roubar as bebidas.
Felipe pagou a taxa equivalente a cada animal e seguiram adiante em passo lento. Mas um soldado chamou atenção do grupo.
- Esperem um pouco. O que aconteceu com esse ai? Parece estar ferido na perna?
- Não foi nada, ele caiu na hora de atravessar um rio e se cortou.
- Melhor eu dar uma olhada.
- Não precisa.
- Faço questão.
O guarda e se aproximou, levantou o ferimento e observou. Achou estranho e comentou:
- Mas isso não é ferimento de corte. Parece ferimento de arma de fogo?
Antes que pudesse esboçar qualquer reação, o soldado viu um dos homens lhe apoiar uma arma. E foi a última coisa que viu. Os demais soldados, que ainda estavam no posto de registro, foram pegos de surpresa e demoraram para pegar suas armas.
Os conspiradores tiraram os bacamartes que estavam escondidos nas mulas dentro da carga falsa de tecidos e começaram a atirar. Infelizmente, os soldados tinham armas e pontaria muito melhor. O menino Duarte e Chico, que estavam desarmados, correram para o meio do mato e se esconderam o mais longe que puderam. Logo o som dos tiros parou. Não se arriscaram a voltar, pois imaginaram que a vitória teria sido dos soldados.
Ficaram algumas horas em silêncio absoluto, com medo de que os soldados pudessem estar procurando por eles no meio da mata. Após um tempo começaram a ouvir barulho de passos no mato. O som se aproximava e os dois prenderam a respiração.
Uma arara gralhou em um galho da árvore em que eles estavam e assustou Chico, que quase caiu. Pelo som, a velocidade dos passos aumentou e veio na direção deles.
Felizmente era Felipe, o único sobrevivente do combate e que tivera que fugir para não ser morto pelos soldados remanescentes. O reencontro foi alegre, mas tiveram que passar a noite no meio do matagal, e sem fogueira, pois isso poderia atrair a atenção dos guardas. Dormiram mal, com medo dos sons noturnos e com muito frio, pois a temperatura caia muito durante a noites naquela época do ano.
Quando o dia raiou, os três seguiram pelo mato por um bom tempo antes de retornarem para a estrada. O resto da viagem ocorreu sem grandes transtornos e naquela noite chegaram na Vila de São João del-Rei.
Apesar do horário avançado, a pequena vila estava muito movimentada. Duarte se misturou a alguns moradores para colher informações e descobriu que a notícia da luta com os soldados do posto de registro já tinha chegado à vila. Os guardas faziam ronda durante a noite na expectativa de encontrar os fugitivos. As estalagens e tavernas estavam cheias de delatores prontos para ganhar algumas moedas de prata em troca de uma boa informação sobre eles.
Resumindo, os três não podiam ficar ao relento, senão seriam descobertos pela patrulha noturna, mas também não podiam se abrigar, senão seriam certamente denunciados. Duarte voltou após algum tempo com a solução: ficara amigo de uma menina índia chamada Itacira, que tinha uma longa cicatriz no rosto. Itacira fazia parte da confraria das crianças abandonados de São João del-Rei, um grupo de crianças de toda a região que vivia de pequenos roubos nas casas da região. Duarte se identificou imediatamente.
Itacira levou o grupo para o esconderijo das crianças abandonadas, que era uma catacumba subterrânea da igreja, cuja entrada era feita por um estreito buraco no chão. Além de abrigo, a catacumba dava acesso à cozinha da igreja, o que garantia a ceia noturna das crianças abandonadas. Nos horários das missas, as crianças já aproveitavam a proximidade com a igreja para pedir dinheiro aos fiéis.
Na manhã seguinte, Chico, Duarte e Felipe resolveu ir até o local onde o ouro estava escondido. Itacira decidiu ir junto, animada com a oportunidade de uma aventura.
Chico levou os três para uma casa na periferia de São João del-Rei. Tinha um enorme muro de pedra e um portal na entrada. Dentro do pátio, um grupo de artesãos fazia esculturas de pedra sabão ou talhavam estátuas de madeira, sob a supervisão de um homem barbudo, velho e apoiado em uma muleta. Assim que viu Chico, o velho barbudo fez um sinal para que os visitantes entrassem na casa.
Os quatro entraram, era uma bela casa colonial típica da região. Tinha sido transformada em oficina de artesanato e estava cheia de mesas com peças inacabadas e instrumentos de escultura. Além de desenhos, telas e quadros em geral. Chico e Felipe sentaram-se nas cadeiras disponíveis, Itacira e Duarte acomodaram-se no chão. Uma escrava gorda entrou e trouxe comida para eles. Em seguida o velho artesão entrou, arrastando a perna e apoiando-se na muleta com dificuldades.
- Chico! Que alegria em vê-lo com vida! Achei que você tinha sido enforcado em Vila Rica!
- Pois é, mestre Antonio! Acredita que no caminho do pelourinho, um grupo de conspiradores atacou e matou os guardas!
- Um grupo de conspiradores? Mas por que se arriscariam tanto? Atacar os guardas... Que loucura!
- Acho que eu posso explicar – disse Felipe – Sou membro de uma confraria secreta de patriotas que luta pela liberdade. Queremos o fim da Casa de Fundição e autonomia para as Câmaras. Eu e meus companheiros temos um pacto de sangue e temos a obrigação de dar nossa vida para salvar os demais membros da confraria. Foi por mim que eles atacaram.
- Mestre Antonio – retomou Chico – Resolvi apoiar a luta desses heróis, mas como não tenho predisposição para conspirações e nem coragem para os combates, quero ajudar com o financiamento! Vou dar para eles metade do meu ouro, para que eles possam comprar armas, pólvora, munição e apoio! E meus amigos? Onde estão?
- Meu caro Chico – respondeu Antonio – Seus amigos, infelizmente, foram pegos e mortos, mas antes disso eles deixaram o ouro aqui comigo e arranjei uma bela solução para o seu problema escondi todo o ouro em pó. Fiz belas esculturas dos santos, todas ocas por dentro. Enchi cada uma delas com o seu ouro. Ninguém nunca vai suspeitar de vocês!
- Que excelente idéia! Onde estão as estátuas?
- Uai? Deveriam estar aqui na sala? Anastácia?
- Pois não, sinhô? – respondeu a escrava gorda.
- Onde foi para aquela caixa de estátuas de santas que estava aqui?
- Meu sinhô, ontem mesmo passaram por aqui uns romeiros que iam descer a Estrada Real. Disseram que o sinhô tinha ficado de aprontar umas estátuas pra eles.


*          *          *


3 – Estrada Real
Mestre Antonio cedeu quatro mulas para os viajantes, uma cota de carne seca, uma cuia de água e outra de cachaça. Cada um deles pegou um cobertor e partiram naquela mesma manhã pela Estrada Real.
Viajaram durante todo o dia em passo apertado, mas não conseguiram alcançar a romaria. De notinha avistaram um casarão de pedras que aparentava ser uma estalagem. Pararam lá para passar a noite.
Na parte de baixo do casarão funcionava uma animada taverna, onde tropeiros, índios, mineiros e viajantes bebiam e cantavam alegremente. O segundo andar era dividido em grandes cômodos com redes que serviam como quartos para os que pagassem um valor. Felipe pagou um quarto para o grupo, mas antes de dormir resolveram passar um tempo na taverna para colher informações sobre a procissão com as santas do pau oco.
Após muito especular, um tropeiro comentou ter passado por um grupo de romeiros portanto santas de madeira. Pareciam estar a caminho da Vila de Paraty. Segundo ele, um dia de viajem em passo apertado seria o suficiente para encontrarem a romaria.
Entusiasmados com a boa notícia, Felipe e Chico resolveram confraternizar com os demais comensais da taverna. Beberam e cantaram junto. A celebração iria até tarde da noite, mas foi interrompida por uma briga. Quem ou porque começou a briga é uma informação que nunca saberemos, visto que sequer os participantes sabiam.
Num dado momento da luta, um sujeito caolho se viu cercado por três agressores. Mesmo em minoria, o caolho investia sua caneca de ferro contra a cabeça dos três atacantes e conseguia mantê-los à distância. Impressionantemente ágil, o caolho desvencilhou-se dos três e saltou sobre uma mesa e do alto mantinha-os longe com violentos chutes que aplicava em seus rostos.
Um dos lutadores desistiu da luta e saiu da taverna, mas neste momento o caolho se desequilibrou e caiu da mesa. Um dos agressores o puxou pelas pernas, enquanto o outro lhe desferia vários socos.
Incomodado com a situação, o menino Duarte resolveu interferir e quebrou uma cadeira nas costas de um deles. Foi o suficiente para que o caolho se recuperasse a conseguisse se defender do outro. Apesar da dor da cadeira, o bêbado levantou e tentou pegar Duarte, mas foi impedido por Felipe e Chico, que o jogaram pela janela da taverna. Não voltou mais.
Sem muito esforço, o caolho derrotou seu adversário e veio conversar com seus defensores.
- Muito grato pela ajuda, amigos! – disse o caolho – Se não fosse pela coragem do menino, eu é que estaria estirado no chão.
- Não tem de que. Qual o seu nome, estranho? – perguntou Felipe.
- Meu nome é René, mas todos me chamam de Caolho – respondeu René, o Caolho, enquanto acendia um cachimbo e soltando bastante fumaça
- E que tipo de assuntos você veio tratar aqui nessa taverna no meio da Estrada Real?
- Nada especial. Estou apenas de passagem. Vim procurar uns amigos e depois volto para a Vila de Paraty. Na verdade, eu sou marinheiro – continuou fumando enquanto enchia de fumaça a taverna.
- Marinheiro? – perguntou Duarte entusiasmado, pois nunca tinha visto o mar – Da marinha mercante?
- Não exatamente. Mais ou menos – desconversou René, enquanto dava mais uma fumacenta baforada – E vocês? O que fazem por aqui?
- Nós? Bem, nós estamos indo até a Vila de Paraty procurar um... amigo – respondeu Chico.
- Rô! Rô! Rô! – gargalhou Caolho com o cachimbo no canto da boca – Muito bem! Cada um tem seus assuntos a tratar e ninguém deve se intrometer no que não é de sua conta!
Após este curioso e estranho diálogo, Duarte, Felipe, Chico e Itacira subiram aos seus aposentos para dormir. Afinal, estavam todos cansados da longa viagem durante o dia.
No meio da noite Duarte acordou sobressaltado com a sensação de que alguém espreitava na escuridão do quarto. Então sentiu uma mão pousar em seu ombro. Tentou gritar horrorizado, mas foi calado por uma mão enorme. Desesperado, sem conseguir se defender, Duarte foi arrastado para o corredor da estalagem.
Na claridade pode vislumbrar o vulto que o raptara. Era René, o Caolho.
- Não se preocupe, pequeno! Sou eu, seu amigo Caolho! – disse sorrindo com os dentes amarelados.
- Mas que susto levei! Achei que ia ser seqüestrado e levado como escravo para alguma mina!
- Não se preocupe! Não sou uma boa pessoa, mas tenho princípios! Apenas viu me despedir. Resolvi aproveitar a madrugada para procurar meus amigos. Eles têm hábitos, digamos, noturnos... Como é mesmo seu nome, garoto?
- Sou Duarte.
- Certo. Aceite este presente como agradecimento de René, o Caolho. Pode ser que dê sorte! – entregou um medalhão redondo com estranhos símbolos e saiu pelo corredor.
Duarte vestiu o medalhão, voltou ao quarto e dormiu pelo resto da noite.
Assim que amanheceu, os viajantes retornaram à estrada, não sem antes aproveitar para comprar mantimentos extras para o restante do trajeto. Seguiram em passo apertado e, em torno da metade do dia, alcançaram a procissão.
Chico conversou com o líder da procissão e mentiu, dizendo que eram um grupo de romeiros muito religiosos que estavam seguindo até a Vila de Paraty para pagar uma promessa. A história convenceu e foram convidados a se juntar à procissão. Seguiram juntos enquanto não tinham uma idéia de como roubar as santas cheias de ouro.
De noite pararam para acampar e fizeram uma grande fogueira.
- Vocês não temem atrair ladrões com essa fogueira enorme – perguntou Chico.
- Quem está do lado de deus não tem que temer os homens! – respondeu um velho barbudo com cara de sujo, que era o líder da procissão – Deus está conosco! Não tememos nada, nem ninguém.
Chico achou melhor não discutir para não causar atritos desnecessários. O velho barbudo aproveitou o descanso para contar aterrorizadoras histórias bíblicas sobre cidades e povos que foram massacrados por serem pecadores ou infiéis. Depois dormiram (menos Itacira que teve pesadelos).
No dia seguinte seguiram viagem bem cedo. Como estavam em um grupo maior e nem todos tinham mulas, o ritmo era bem mais lento. Algumas das mulheres do grupo passavam a maior parte do tempo reclamando e falando mal do líder barbudo. Seguiram por um bom tempo até que chegaram em uma clareira. De repente, escutaram um grito.
Antes que tivessem tempo para qualquer reação, um bando de salteadores surgiu do meio do mato e começou a atacar a procissão. Alguns homens tentaram reagir, mas tiveram suas gargantas cortadas. Felipe pensou em usar seu bacamarte, mas achou que a presença de um homem armado no meio daqueles romeiros esfarrapados podia levantar suspeita sobre o ouro.
Os bandoleiros ajuntaram os romeiros em um canto e começaram a pegar tudo que eles tinham de valor. Aos que recusavam, ameaçavam com as espadas enferrujadas.
Um deles ameaçou arrancar o medalhão de Duarte, mas, quando viu o símbolo, interrompeu o movimento. Cochichou alguma coisa com os demais bandidos e os quatro foram poupados do saque. Logo os bandidos foram embora com todas as montarias.
Estavam todos aliviados, mas o velho barbudo apontou para os quatro e bradou:
- Vocês abusaram de nossa confiança! São espiões dos bandidos! São pecadores! Todos fomos roubados, menos vocês! Vocês não pode, continuar a viagem conosco!
- Espere! Não foi nada disso! Deve ser um engano – tentou Chico.
Não houve conversa. Além de ficaram para trás, os romeiros amarraram os quatro para que não os seguissem. E continuaram seu caminho.
Deixados para trás, os quatro não conseguiram se soltar e ficaram esperando que algum passante os visse. Até que, no começo da noite, Itacira conseguiu afrouxar suas cordas e se soltar. Depois libertou os demais.
Sem mantimentos e montarias, decidiram seguir viagem imediatamente pela Estrada Real,  na esperança de recuperar o ouro o quanto antes.

*          *          *


4 – Paraty
A viagem pela Estrada Real terminou na Vila Paraty. Não encontraram os romeiros durante o caminho, mas eles certamente teriam ido até lá. Antes de procurar pelas estátuas com o ouro, Duarte quis ir conhecer o mar. Para isso, atravessaram a Vila por uma rua larga e calçada, cercada por casas brancas de ambos os lados. As casas eram ao estilo português, com paredes de pau a pique e telhados de sapê. A maioria das casas daquela rua eram térreas e com grandes janelas.
Chegaram a uma igreja sem torres de sineira, com paredes brancas de pedra e cal com pilastras e portas de madeira, ao estilo jesuítico. No segundo andar, as três janelas tinha sacadas com gradil. Em frente a igreja havia um descampado, um quartel e, em seguida, o mar.
Os quatro viajantes passaram um tempo apreciando o oceano e os morros da região.
- Acho melhor começarmos a procurar o outro – disse Felipe.
- Vamos perguntar sobre os romeiros. Alguém na vila deve saber deles – sugeriu Chico.
O grupo se dividiu e cada um deles seguiu em uma direção diferente. Foram perguntando entre os transeuntes nas ruas ou entre os fregueses nos comércios. Duarte e Itacira seguiram juntos e repararam que Paraty tinha muitos soldados, o que não deveria ser surpresa, uma vez que a Vila tinha seis fortes ou fortalezas. Em uma taverna, os garotos ficaram sabendo que por ser um dos principais pontos de acesso às minas, Paraty era muito ameaçada por piratas.
Segundo as conversas, três navios piratas haviam se aproximado de Paraty, mas um morador viu e soou o alarme. Os fortes atiraram com os canhões em sinal de alerta, para que os navios não se aproximassem. A ameaça funcionou, pois os três navios mudaram seu trajeto e rumaram ao sul. Como a história tinha acontecido há poucos dias, os moradores ainda estavam um pouco apreensivos com um eventual ataque pirata.
Mais tarde, os quatro se reencontraram em uma praça cercada de sobrados, perto de um rio. Felipe contou que fizera contato com membros de sua confraria secreta e que eles tinham visto a chegada dos romeiros. Segundo esses informantes, as estátuas das santas do pau oco foram deixadas na igreja.
Chico aproveitou o movimento na igreja para especular e descobrir mais informações sobre as estátuas. Após algum tempo retornou e confirmou que as estátuas estavam guardadas dentro da sacristia. Segundo os boatos, o padre gordo era bêbado e adorava prostitutas.
- Tive uma ideia - propôs Itacira – Eu vou provocar o padre. Deixo-o bastante embriagado e de noite roubamos as estátuas.
Enquanto a pequena índia foi até a igreja para encontrar o padre gordo e marcar o encontro, os demais foram a uma venda comprar bastante vinho. Levaram também um pouco de cachaça. Itacira conseguiu seduzir o padre e combinou de voltar mais tarde.
De noite, Itacira pegou o vinho e a cachaça e foi para a igreja. O padre gordo fechou as grandes portas de madeira escura e levou a menina para suas instalações no interior da igreja. Ofereceu pão e carne seca para ela e começou a tomar vinho. Em pouco tempo o padre já estava bêbado e cantava alto, enrolando a língua. Itacira ofereceu a cachaça. O padre gordo bebeu e logo dormiu. A pequena índia aproveitou o sono do padre e abriu as portas para os demais.
Eles revistaram toda a igreja e encontraram as estátuas na sacristia. Ensacaram todas e levaram para a casa dos amigos da confraria secreta de Felipe. Metade do ouro ficou para Felipe e seus amigos, que usariam para comprar armas, pólvora, munição e apoio para sua causa. A outra metade do ouro ficou com Chico, que decidiu dividir com Duarte e Itacira, que passariam a viver com ele.
Felipe e seus companheiros pegaram algumas mulas e decidiram voltar naquela noite mesmo pela Estrada Real rumo à Vila Rica de Ouro Preto. Para eles, o tempo urgia.
Duarte, Chico e Itacira preferiram passar a noite em Paraty e na manhã seguinte embarcaram no primeiro navio mercador, que ia para São Vicente. Levaram o saco de estátuas cheias de ouro escondido na bagagem para não despertar suspeitas.
No meio da viagem de navio, tarde da noite, Duarte, Chico e Itacira acordaram com uma gritaria. Um terrível barulho vinha do convés. Após algum tempo, o som de passos e gritos se aproximou e eles puderam perceber que uma luta estava ocorrendo. Os sons matalicos e os tiros cessaram, mas os gritos continuaram. Logo, um marujo sujo e mal encarado entrou no alojamento dos passageiros ordenou que todos subissem ao convés.
Era um ataque pirata. Durante a noite três navios piratas se aproximaram, invadiram o navio mercante e, após uma breve luta, dominaram os ocupantes. No convés estavam todos os marinheiros e passageiros feitos reféns. Um a um estavam sendo interrogados e, dependo do que diziam, eram amarrados ou atirados no mar. Alguns tentaram reagir e tiveram as gargantas cortadas. Os passageiros mais espertos tentavam negociar a própria vida com ouro, pedras preciosas ou oferecendo um resgate que poderia ser pago pela família.
Quando chegou a vez de Duarte, ele tinha decidido manter o ouro em segredo. Tinha a esperança de ser poupado da morte e, com sorte, se tornar aprendiz de pirata. Um dos bucaneiros pegou o garoto pelos colarinhos e apertou um punhal em sua garganta:
- E você, meu pequeno amigo? O que tem para oferecer pela sua vida?
- Não tenho nada, senhor pirata! Sou um pobre órfão de Vila Rica. Fugi de lá por ter sido condenado à forca por roubo e estou tentando chegar a São Vicente.
- Hum! Acho que você é um peso morto neste nosso navio. Acho que vou jogar você no mar. Ei, espere um momento? O que é isso?
O pirata guardou o punhal e pegou o medalhão de Duarte. Olhou o símbolo com bastante cautela. Deixou o menino e foi conversar com outro pirata. Após algumas palavras, voltou e perguntou:
- Quem mais está com você? – perguntou o corsário.
Duarte mostrou Chico e Itacira. Os três foram levados ao navio principal. Foram conduzidos através do convés até a esfumaçada cabine do capitão. Assim que entraram, sentiram um forte cheiro de cachimbo.
- Capitão. Encontramos uma pessoa usando o medalhão. É um menino acompanhado de um homem e uma índia.
- Aproximem-se meus amigos – disse o capitão.
Quando chegaram perto, Duarte, Chico e Itacira tiveram uma surpresa. O capitão fumando cachimbo usava um tapa-olho.
- Mas vocês não estão felizes de encontrar um amigo? – disse o capitão, que era ninguém mais, ninguém menos, do que René, o Caolho.

*          *          *


5 – Piratas
Uma vez reconhecidos com amigos do capitão, Duarte, Chico e Itacira foram bem tratados pelos piratas. Transportaram sua bagagem (incluindo as estátuas) para o navio-capitânia. A frota dos piratas era composta por quatro navios, o navio-capitânia, dois outros já meio velhos e o navio mercante que tinha sido recém-capturado. Mais tarde eles foram chamados à cabine de René.
- Meus amigos, tenho muito a agradecer a vocês por terem me ajudado naquela briga na estalagem – disse René, o Caolho – Mas vocês também tem muito a me agradecer, afinal, meu medalhão salvou vocês dos salteadores da estrada (que são aliados nossos) e agora poupou a vida de vocês a bordo daquele navio mercante. Isso posto, gostaria que vocês fossem sinceros comigo e me dissessem o que há de tão importante naquelas estátuas de santas que vocês carregam com tanto cuidado. E não venham me dizer que são religiosos, pois eu conheço a laia de vocês e não há arrependimento que salve as almas de vocês do fogo do inferno.
- Pedindo assim, com tanta educação, não tenho como não abrir o jogo – principiou Chico – As estátuas estão cheias de ouro.
- Como é que um bando de pés-rapados como vocês conseguiu estátuas cheias de ouro?
- Bom, eu tinha uma mina de ouro em Vila Rica e contrabandeei tudo para não ter que levar para a Casa de Fundição. Um amigo meu, artesão em São João del-Rey, esculpiu essas estátuas-ocas para não despertar suspeitas. Infelizmente um grupo de romeiros pegou as estátuas por engano e levou até a igreja de Paraty. Seguimos eles e roubamos as estátuas e aqui estamos!
- Uma grande história! Gostei tanto que vou deixar vocês ficarem com uma das estátuas. As demais vão ficar junto com o resto dos meus tesouros!
Os piratas confiscaram as estátuas, deixando apenas uma com eles.
Na manhã seguinte, após acordar, Duarte, Chico e Itacira subiram ao convés e perceberam que o navio estava se aproximando de uma grande ilha muito bela. Toda ela era coberta por vasta vegetação, com exceção do topo de um morro alto bem no centro da ilha. O navio se aproximou por uma baia do lado oposto ao do continente. Lá as águas eram mais calmas e o barco pôde se aproximar lentamente da costa. Lançaram âncora e os piratas desceram a terra. Duarte, Chico e Itacira foram junto.
Enquanto andavam pela areia da praia, Chico perguntou:
- Mas, no que vocês gastam todo o dinheiro das pilhagens?
- Pra falar a verdade, não temos tido muito tempo de gastar nosso tesouro. Estamos acumulando tudo no porão do navio-capitânia.
- Mas isso não é um pouco arriscado? E se o navio afundar?
- O problema é que não temos onde esconder o tesouro. Essa ilha é o único esconderijo que temos, mas atrairíamos atenção se construíssemos um forte aqui.
- Por que vocês não enterram?
- E como encontrar depois o lugar onde enterramos?
- Uai, basta fazer um mapa!
- Mapas são muito difíceis de fazer!
- Eu sei fazer mapas! Fiz muitos mapas na minha atividade de mineração! Posso fazer um mapa para vocês!
- Excelente!
Chico, Duarte e Itacira deram uma volta pela ilha e Chico elaborou um esboço do mapa. Depois voltou ao navio e pegou as localizações da latitude e longitude da ilha e anotou no canto superior do mapa. Quando estava tudo pronto, René ordenou aos piratas que recolhessem todo o tesouro e levassem para a terra. Andaram por algum tempo pela ilha até escolherem um lugar adequado para o esconderijo.
Os piratas cavaram durante todo o dia e jogaram o tesouro no buraco. Tinha de tudo, barris cheios de ouro e prata, caixas de pedras preciosas, moedas de diferentes países, colares de perolas, espadas de ouro, coroas decoradas com diamantes, cetros reais e, obviamente, as estátuas das santas do pau oco. Depois que tudo foi colocado, os piratas taparam o buraco. Chico fez a marcação do local exato no mapa e entregou para René, o Caolho, que ficou muito satisfeito!
Muito obrigado, meu amigo! Esse mapa me resolve muitos problemas!
Decidiram voltar ao navio antes que escurecesse. Na trilha da volta, Itacira percebeu que havia alguma coisa no mato, mas antes que pudesse alertar o grupo, foram atacados com flechas de todos os lados. Uma tribo indígena habitava a ilha e atacou os piratas. No meio da confusão, Itacira foi sequestrada. Chico e Duarte correram atrás do raptor e afastaram-se da trilha. Pouco tempo depois estavam completamente perdidos no meio da mata fechada da ilha.
Pararam para descansar e foram cercados por índios portando arcos e flechas.
- Não os machuquem! São meus amigos!
Era Itacira. Os índios abaixaram as armas.
- Houve um engano. Esses índios não gostam muito de europeus e, quando viram os piratas, acharam que eles tinham me sequestrado. Fizeram aquele ataque para me salvar.
Solucionado o engano, Duarte, Itacira e Chico decidiram voltar à baia onde estavam ancorados os navios piratas. Os índios os guiaram até a trilha e de lá eles seguiram por conta própria. Ainda no mato, quando estavam se aproximando da praia, puderam ouvir a conversa de um grupo de piratas. Era um motim!
Parte dos piratas estava insatisfeita com a liderança de René e decidiram se rebelar contra ele. Enquanto o Caolho foi esconder o tesouro, os amotinados convenceram os demais piratas. René foi feito prisioneiro e sumariamente julgado. O veredito: a morte.

*          *          *


6 – A Batalha
Horrorizados, Duarte, Chico e Itacira viram René ser decapitado sem poder fazer nada. Com medo de terem o mesmo fim, acharam melhor não voltar para o navio. Correram pela trilha procurando os índios, mas não conseguiram encontra-los. Decidiram subir no morro para ter uma visão panorâmica da ilha.
Após uma hora de caminhada pela íngreme encosta, chegaram ao cume do morro. De lá puderam ver que a ilha estava bem próxima do continente. Também viram algumas canoas saindo da ilha e retornando ao continente. Provavelmente eram os índios indo para casa. De repente, levaram um susto: do outro lado da ilha, uma pequena frota de navios de guerra estava ancorada, tinham bandeira de Portugal. De onde estavam, não podiam ver a baia dos piratas, nem ser vistos por eles.
Chico tirou do bolso um pedaço de papel do esboço do mapa que tinha feito antes da versão final, no canto estavam até as indicações de latitude e longitude. Aproveitou que estava no morro para demarcar bem as indicações do local do tesouro. Decidiram que ficariam na ilha e, assim que os piratas partissem, cavariam o tesouro e esconderiam em outro lugar.
- O importante são esses numerinhos de latitude e longitude! – disse Chico – Somente com eles um marinheiro conseguiria chegar nessa ilha! Imagina só! Apenas esses numerinhos!
Resolveram descer do morro para procurar os índios e seguiram pela trilha. Ouviram sons e começaram a gritar entusiasmadamente. Ouviram vozes chamando em retorno! Correram na direção do som e depararam-se com um grupo de soldados portugueses.
- Quem são vocês? O que estão fazendo aqui? – perguntou o chefe dos soldados.
- Nós estávamos viajando para São Vicente e nosso navio foi atacado por piratas. Eles nos abandonaram na ilha.
- E onde estão esses piratas?
- Estão em uma baia, do outro lado da ilha. São quatro navios, mas dois estão bem estragados.
Os soldados levaram os três para o navio militar. A frota portuguesa preparou uma emboscada para os piratas. Assim que os bucaneiros saíram da baia, foram atacados pelos canhões. Tentaram revidar, mas os dois navios velhos foram a pique logo no começo do combate.
O navio-capitânia e o antigo navio marcante se dividiram, um deles foi rumo ao norte e o outro para leste. A frota portuguesa se dividiu e perseguiu os dois. O navio mercante foi abordado e os soldados mataram todos os piratas após uma sangrenta luta de espadas.
O navio-capitânia seguiu com vantagem do vento. A frota portuguesa teve mais dificuldade em alcançá-lo, mas conseguiu. A luta foi terrível e a canhoneira impediu a abordagem do navio pirata. No final das contas, o navio-capitânia foi a pique.
- Que pena! Eu queria muito pegar aquele navio! Dizem que René, o Caolho, tinha tesouros incontáveis no porão! – disse o capitão da marinha portuguesa.
A frota portuguesa seguiu pelo mar rumo ao norte até a cidade do Rio de Janeiro, onde trocariam a guarnição, recarregariam a munição e provisões e fariam alguns concertos.
Duarte, Chico e Itacira resolveram descer no porto do Rio de Janeiro. Ainda estavam com uma estátua e conseguiriam viver por muito tempo com aquele ouro. Depois poderiam até comprar um barco e retornar à ilha para pegar o tesouro, afinal, eles tinham o único mapa.
Seguiram passeando pela cidade e admirando a beleza de seus prédios. O Paço dos Governadores era uma grande praça. O Paço propriamente dito era onde ficavam guardadas armas e munições, bem como a cocheira para cavalos e carruagens, além do Armazém Real e a Casa da Moeda. Do lado ficava o Convento do Carmo, a Capela Real e a Igreja da Ordem Terceira do Carmo.
O Paço era frequentado por comerciantes, soldados, marinheiros, padres, mercadores de escravos, damas e fidalgos. Uma multidão colorida fervilhava em todas as direções. Era o tipo de situação ideal para a atuação de punguistas. Um menino maltrapilho esbarrou em Chico.
- Minha bolsa! – disse Chico procurando ao redor pelo garoto maltrapilho.
- O que aconteceu? – perguntou Duarte.
- Aquele menino roubou minha bolsa de moedas e sumiu na multidão.
- Não se preocupe, Chico! Basta a gente quebrar essa estátua e teremos ouro para muito tempo!
- O problema é que o mapa estava dentro da bolsa...


FIM

quinta-feira, 7 de julho de 2011

O Abraço do Casanova

Por Marcio Ortiz Meinberg

Era uma Empresa promotora de grandes eventos que, por conta de alguns problemas contábeis, andava meio sem crédito na praça. Resumindo, a Empresa tinha fama de caloteira entre seus fornecedores e prestadores de serviço. Mas aquela se tratava de uma oportunidade de ouro: um evento de grande porte que renderia grande soma financeira, além de afastar a má fama da Empresa. Não podia perder aquela chance!

A Diretoria Executiva da Empresa se reuniu e, após se debruçar em diversas projeções, consideraram que se haviam esgotado todas as possibilidades. Todas menos uma, e foi Arthur, o Diretor Financeiro, que sentenciou:

- Não resta escolha, precisamos do Casanova.
- Por que ele está preso dessa vez? – indagou o Presidente do Conselho.
- Estelionato, de novo. Arrendou um dos terminais do Aeroporto Internacional para um gringo cheio da nota...

E a proposta de Arthur foi aprovada por unanimidade.

Em menos de uma semana o advogado da Empresa conseguiu umhabeas corpus e numa tarde ensolarada Fernando Casanova saiu da cadeia. Trajava a mesma roupa amassada e suja do dia que fora preso, após uma curiosa perseguição policial em uma feira livre. Apesar dos trajes, do cabelo esgrouvinhado e da barba malfeita, Casanova atravessou o pátio com ar altivo e as mãos no bolso, como se fosse o delegado de plantão.

Em frente à delegacia lhe aguardava um belo sedan preto com insulfilm nos vidros e teto solar (Casanova havia sido bem detalhista quando tratou sobre o carro). O Motorista abriu a porta do banco de trás, mas, antes de entrar, Casanova tirou dele os óculos escuros e vestiu-os.

- Agora sim! – e entrou.

Os honorários de Casanova só seriam pagos após a realização do evento, condicionados ao sucesso do mesmo. No entanto, ainda havia o que Casanova chamou de “despesas operacionais”, que foram pagas antecipadamente, o que incluía o carro, o motorista e outros detalhes que ficaremos sabendo em seguida. Não, os óculos escuros eram do Motorista, mas ele foi devidamente recompensado por eles.

Assim que chegaram à cidade, a primeira parada foi em uma lanchonete, onde Casanova comeu um cheese-bacon com champignon, cebolas fritas e um enorme milk-shake de flocos. A segunda parada foi em uma drogaria, onde o Motorista desceu rapidamente para comprar um barbeador elétrico sem fio de uma marca específica (Casanova era sempre muito claro com relação aos detalhes). A terceira parada (e última daquele dia) foi em um elegante hotel na região da Av. Paulista, onde Casanova se hospedou e tomou o mais longo banho de sua vida. Barbeou-se com calma enquanto fazia alguns telefonemas, trocou de roupa (compradas no hotel) e depois desceu ao saguão, onde havia uma franquia de uma famosa rede de cabeleireiros de luxo.

No dia seguinte, pontualmente às 7hs da manhã, encontrou o Motorista na frente do hotel e foi para o Centro da cidade. Depois de algumas voltas, Casanova achou o que procurava: uma pequena e tradicional loja de camisas sob medida.

Após medir precisamente o cliente e fazer as marcas necessárias para o corte perfeito da nova camisa, o camiseiro perguntou:

- Como o senhor prefere o colarinho?
- Quais são as opções? – indagou Casanova.
- Temos colarinho em formato italiano, francês, inglês, espanhol ou alemão.
- Faça um de cada. E não se esqueça de colocar o monograma no punho com as iniciai F.C. em letras azuis.

Do Centro da cidade, o Motorista levou Casanova para a loja de um famoso estilista, que ficava dentro de elegante shopping center em um bairro nobre. Casanova mandou cortar quatro ternos sob medida, um preto, um azul marinho, um cinza chumbo e um marrom claro. Ainda no shopping comprou gravatas de seda importadas e lenços. Também comprou um cinto de couro e dois pares de sapato. Um relógio de luxo. E um perfume.

Todos estes gastos foram feitas por conta da Empresa, afinal, tratava-se de “despesas operacionais”.

Fernando Casanova fez seu primeiro contato com um dos possíveis fornecedores: uma grande empresa de alimentação que atuava em todo o território nacional. Após alguma insistência (não muita), conseguiu marcar um almoço com um alto diretor.

No dia da reunião, Casanova acordou bem cedo em sua suíte de hotel e requisitou uma massagista no quarto. Tomou um cuidadoso banho, barbeou-se novamente com o aparelho elétrico sem fio e se vestiu no máximo rigor. Passou perfume e gel nos cabelos. Mas antes de ir para o almoço, pediu para o Motorista levá-lo ao Centro. Casanova comprou um jornal diário econômico e foi engraxar os sapatos em frente à Bolsa de Valores, onde aproveitou para se atualizar sobre as principais novidades do mercado conversando com os maiores especialistas sobre o tema: os engraxates da Bolsa.

Sentindo-se pronto e confiante, Casanova levou no bolso da camisa os óculos escuros do Motorista. Para dar sorte.

O almoço ocorreu em um fino e caro restaurante de carnes. Antes de entrar no tema, Casanova encantou o diretor da empresa de alimentação demonstrando todo o seu conhecimento sobre o mercado de capital. Além disso, sugeriu o prato e o vinho. Conversou sobre amenidades e negócios em geral, mas não tocou no tema que motivara a reunião. Falaram sobre viagens, mulheres e carros. Na hora da sobremesa, já eram amigos de infância. Após o cafezinho, Casanova fez questão de pagar toda a (estratosférica) conta.

- Quer fumar? – ofereceu Casanova empunhando uma bela charuteira de couro negro de onde reluziam dois legítimos charutos do Paraguai, mas em cujo anilha brilhavam letras douradas da palavra COHIBA.

Não havia como o diretor resistir. Casanova arrancou a ponta do charuto com um cortador prateado e ofereceu um isqueiro de gás butano. Após a primeira baforada, Casanova achou que era a “hora do bote”. Muito tranquilamente começou a descrever as lucrativas atividades da Empresa promotora de eventos que ele representava. Contou sobre grandes realizações que tinham tido naquele ano com tal riqueza de detalhes que o diretor da empresa alimentícia chegou até mesmo acreditar que tinha lido alguma coisa a respeito no jornal. Explicou pormenorizadamente que o próximo evento que realizariam seria o maior de todos, um evento histórico, uma oportunidade única para a empresa alimentícia. Era quase como se a parceria proposta por Casanova fosse um favor que ele concedia a um amigo tão querido. Antes que o diretor da empresa alimentícia se manifestasse, Casanova completou:

- O único “porém” é que o pagamento só poderemos fazer após o evento, pois precisamos investir toda nosso capital de giro na operação. Sabe como é, com essa crise toda, anda difícil captar no sistema financeiro. (Observação: essa história se passou nos anos 90, durante as crises financeiras que abalaram o Brasil. E antes da lei anti-fumo!)

O diretor da empresa alimentícia nem ouviu o “porém de Casanova” e aceitou todos os termos, comprometendo-se a servir a alimentação necessária ao evento: café da manhã, almoço, jantar, coffee break por um dia.

E assim foram as demais negociações de Casanova. Todas bem sucedidas. Sempre bem vestido, ele almoçou ou jantou nos melhores restaurantes da cidade, pagou as contas e ofereceu charutos para cada um dos fornecedores do evento. E todos eles concordaram em prestar serviço sem receber antes do final do evento.

Só faltava um detalhe a ser acertado: o Centro de Convenções. O problema é que a Empresa já havia alugado o Centro de Convenções por duas ocasiões e nunca tinha quitado os alugueis. Por conta disso, o Administrador do Centro de Convenções estava irredutível e não queria nem conversar. Casanova não se fez de rogado, ligou para a secretária do Administrador e deixou recado dizendo que na semana seguinte estaria lá para conversar pessoalmente, nem que precisasse acampar na frente do Centro de Convenções.

O recado dizia na semana seguinte, mas naquele mesmo dia Casanova voou de primeira classe até a cidade onde ficava o Centro de Convenções. Em vez de ir procurar imediatamente o Administrador, Casanova se hospedou no melhor hotel da cidade, na suíte mais cara. Durante aquela semana, comeu o que havia de melhor nos principais menus daquela cidade. Também frequentou o principal bordel da cidade, na ilustre companhia do Prefeito, do Presidente da Associação Comercial, do Juiz e do Vigário. E passeou para cima e para baixo com belas mulheres. Jogou golfe com alguns vereadores e fazendeiros. No final da semana, Casanova já era uma das pessoas mais famosas e queridas da cidade.

Numa manhã, sem avisar, Casanova apareceu no escritório do Administrador do Centro de Convenções. Não precisou acampar lá para ser recebido, pois sua fama o precedia. Ainda sim, a conversa foi tensa e o Administrador deixou bem claro que não iria alugar o Centro de Convenções sem que a Empresa pagasse adiantado o aluguel. E não aceitaria receber após o evento, apenas adiantado. Mas Casanova se adiantou:

- Meu caro, é exatamente isso que eu estava querendo dizer! Dessa vez nós iremos pagar adiantado pela realização do evento. E digo mais, pagaremos também o valor dos dois alugueis dos eventos anteriores.
- É mesmo? – e o Administrador coçou a cabeça desconfiado.
- É isso mesmo. Vim aqui pessoalmente apenas para confirmar a reserva da data com o senhor, coisa que eu preferia fazer por telefone, mas não consegui, uma vez que você não me atendia!
-Hum! – pensou o Administrador ainda desconfiado – Está bem. Está feita a reserva. Mas eu só abro o Centro de Convenções quando receber os valores dos alugueis.
- Perfeito! Aceita um charuto?

A Diretoria Executiva da Empresa comemorou as realizações de Casanova com champanhe francês. De fato, ele cobrava caro, mas era muito competente no que fazia. E começaram os preparativos para o grande evento.

Conforme os dias foram se passando, cada vez mais participantes aderiam ao evento, pagando a taxa de inscrição e confirmando sua participação. Logo as vagas se esgotaram. Sucesso absoluto.

E, cada vez que o Administrador do Centro de Convenções telefonava para perguntar sobre o pagamento adiantado dos alugueis, Casanova dava uma desculpa diferente, porém convincente.

Eis que chegou o dia do grande evento. Todos os participantes foram bem recebidos, bem alojados em hotel e bem alimentados no café da manhã. (Cujos fornecedores só receberiam após o evento). Em seguida iriam todos para o Centro de Convenções.

Naquele dia, Casanova levantou sem fazer a barba e pentear o cabelo. Vestiu um terno amarrotado e uma camisa malpassada, o nó da gravata estava frouxo e o sapato sem graxa. Antes dos participantes do evento, ele foi até o Centro de Convenções.

Lá chegando, encontrou o Administrador de braços cruzados, cara fechada e chave na mão. Estava tudo trancado até o pagamento ser efetuado.

- E então, Casanova? – perguntou o Administrador – E o pagamento? Como vai ser?

E Casanova desabou e começou a chorar!
- Eu não sei! – e abraçou o Administrador – Tem mais de 1000 convidados vindo pra cá! Importantes empresários e executivos! Gente de todo o Brasil! E vão quebrar tudo porque a Empresa não conseguiu sacar o dinheiro por causa do horário bancário! Antes que a gente consiga fazer qualquer coisa, estará tudo arruinado! Tanto nós, como vocês!

Desnorteado pela notícia e chocado pelo abraço que recebia de Casanova (uma reação inesperada), o Administrador tomou uma decisão.

- Tá bom, Casanova! Pare de chorar! E pare de me abraçar! Vou abrir o Centro de Convenções. Até porque, já perdi o dia reservado e não ganho nada o mantendo fechado. Mas quero o dinheiro assim que os bancos abrirem!

E foi assim que, graças ao abraço do Casanova, o evento ocorreu sem incidentes. Dizem que foi um grande sucesso financeiro que rendeu dinheiro suficiente para pagar o aluguel do Centro de Convenções (e os atrasados), quitar as despesas com os fornecedores, liquidar as antigas dívidas da Empresa, os altos honorários do Casanova e ainda sobraria bastante lucro. Apenas dizem, porque ninguém sabe ao certo o valor, uma vez que Arthur, o Diretor Financeiro, fugiu com todo o dinheiro e nunca mais foi visto. Segundo boatos, ele e Casanova montaram um hotel de luxo para ricaços no caribe e lá vivem como reis.

E até hoje a expressão “abraço do Casanova” é usada por estelionatários do mundo inteiro como sinônimo para “golpe de mestre”.