quinta-feira, 7 de julho de 2011

O Abraço do Casanova

Por Marcio Ortiz Meinberg

Era uma Empresa promotora de grandes eventos que, por conta de alguns problemas contábeis, andava meio sem crédito na praça. Resumindo, a Empresa tinha fama de caloteira entre seus fornecedores e prestadores de serviço. Mas aquela se tratava de uma oportunidade de ouro: um evento de grande porte que renderia grande soma financeira, além de afastar a má fama da Empresa. Não podia perder aquela chance!

A Diretoria Executiva da Empresa se reuniu e, após se debruçar em diversas projeções, consideraram que se haviam esgotado todas as possibilidades. Todas menos uma, e foi Arthur, o Diretor Financeiro, que sentenciou:

- Não resta escolha, precisamos do Casanova.
- Por que ele está preso dessa vez? – indagou o Presidente do Conselho.
- Estelionato, de novo. Arrendou um dos terminais do Aeroporto Internacional para um gringo cheio da nota...

E a proposta de Arthur foi aprovada por unanimidade.

Em menos de uma semana o advogado da Empresa conseguiu umhabeas corpus e numa tarde ensolarada Fernando Casanova saiu da cadeia. Trajava a mesma roupa amassada e suja do dia que fora preso, após uma curiosa perseguição policial em uma feira livre. Apesar dos trajes, do cabelo esgrouvinhado e da barba malfeita, Casanova atravessou o pátio com ar altivo e as mãos no bolso, como se fosse o delegado de plantão.

Em frente à delegacia lhe aguardava um belo sedan preto com insulfilm nos vidros e teto solar (Casanova havia sido bem detalhista quando tratou sobre o carro). O Motorista abriu a porta do banco de trás, mas, antes de entrar, Casanova tirou dele os óculos escuros e vestiu-os.

- Agora sim! – e entrou.

Os honorários de Casanova só seriam pagos após a realização do evento, condicionados ao sucesso do mesmo. No entanto, ainda havia o que Casanova chamou de “despesas operacionais”, que foram pagas antecipadamente, o que incluía o carro, o motorista e outros detalhes que ficaremos sabendo em seguida. Não, os óculos escuros eram do Motorista, mas ele foi devidamente recompensado por eles.

Assim que chegaram à cidade, a primeira parada foi em uma lanchonete, onde Casanova comeu um cheese-bacon com champignon, cebolas fritas e um enorme milk-shake de flocos. A segunda parada foi em uma drogaria, onde o Motorista desceu rapidamente para comprar um barbeador elétrico sem fio de uma marca específica (Casanova era sempre muito claro com relação aos detalhes). A terceira parada (e última daquele dia) foi em um elegante hotel na região da Av. Paulista, onde Casanova se hospedou e tomou o mais longo banho de sua vida. Barbeou-se com calma enquanto fazia alguns telefonemas, trocou de roupa (compradas no hotel) e depois desceu ao saguão, onde havia uma franquia de uma famosa rede de cabeleireiros de luxo.

No dia seguinte, pontualmente às 7hs da manhã, encontrou o Motorista na frente do hotel e foi para o Centro da cidade. Depois de algumas voltas, Casanova achou o que procurava: uma pequena e tradicional loja de camisas sob medida.

Após medir precisamente o cliente e fazer as marcas necessárias para o corte perfeito da nova camisa, o camiseiro perguntou:

- Como o senhor prefere o colarinho?
- Quais são as opções? – indagou Casanova.
- Temos colarinho em formato italiano, francês, inglês, espanhol ou alemão.
- Faça um de cada. E não se esqueça de colocar o monograma no punho com as iniciai F.C. em letras azuis.

Do Centro da cidade, o Motorista levou Casanova para a loja de um famoso estilista, que ficava dentro de elegante shopping center em um bairro nobre. Casanova mandou cortar quatro ternos sob medida, um preto, um azul marinho, um cinza chumbo e um marrom claro. Ainda no shopping comprou gravatas de seda importadas e lenços. Também comprou um cinto de couro e dois pares de sapato. Um relógio de luxo. E um perfume.

Todos estes gastos foram feitas por conta da Empresa, afinal, tratava-se de “despesas operacionais”.

Fernando Casanova fez seu primeiro contato com um dos possíveis fornecedores: uma grande empresa de alimentação que atuava em todo o território nacional. Após alguma insistência (não muita), conseguiu marcar um almoço com um alto diretor.

No dia da reunião, Casanova acordou bem cedo em sua suíte de hotel e requisitou uma massagista no quarto. Tomou um cuidadoso banho, barbeou-se novamente com o aparelho elétrico sem fio e se vestiu no máximo rigor. Passou perfume e gel nos cabelos. Mas antes de ir para o almoço, pediu para o Motorista levá-lo ao Centro. Casanova comprou um jornal diário econômico e foi engraxar os sapatos em frente à Bolsa de Valores, onde aproveitou para se atualizar sobre as principais novidades do mercado conversando com os maiores especialistas sobre o tema: os engraxates da Bolsa.

Sentindo-se pronto e confiante, Casanova levou no bolso da camisa os óculos escuros do Motorista. Para dar sorte.

O almoço ocorreu em um fino e caro restaurante de carnes. Antes de entrar no tema, Casanova encantou o diretor da empresa de alimentação demonstrando todo o seu conhecimento sobre o mercado de capital. Além disso, sugeriu o prato e o vinho. Conversou sobre amenidades e negócios em geral, mas não tocou no tema que motivara a reunião. Falaram sobre viagens, mulheres e carros. Na hora da sobremesa, já eram amigos de infância. Após o cafezinho, Casanova fez questão de pagar toda a (estratosférica) conta.

- Quer fumar? – ofereceu Casanova empunhando uma bela charuteira de couro negro de onde reluziam dois legítimos charutos do Paraguai, mas em cujo anilha brilhavam letras douradas da palavra COHIBA.

Não havia como o diretor resistir. Casanova arrancou a ponta do charuto com um cortador prateado e ofereceu um isqueiro de gás butano. Após a primeira baforada, Casanova achou que era a “hora do bote”. Muito tranquilamente começou a descrever as lucrativas atividades da Empresa promotora de eventos que ele representava. Contou sobre grandes realizações que tinham tido naquele ano com tal riqueza de detalhes que o diretor da empresa alimentícia chegou até mesmo acreditar que tinha lido alguma coisa a respeito no jornal. Explicou pormenorizadamente que o próximo evento que realizariam seria o maior de todos, um evento histórico, uma oportunidade única para a empresa alimentícia. Era quase como se a parceria proposta por Casanova fosse um favor que ele concedia a um amigo tão querido. Antes que o diretor da empresa alimentícia se manifestasse, Casanova completou:

- O único “porém” é que o pagamento só poderemos fazer após o evento, pois precisamos investir toda nosso capital de giro na operação. Sabe como é, com essa crise toda, anda difícil captar no sistema financeiro. (Observação: essa história se passou nos anos 90, durante as crises financeiras que abalaram o Brasil. E antes da lei anti-fumo!)

O diretor da empresa alimentícia nem ouviu o “porém de Casanova” e aceitou todos os termos, comprometendo-se a servir a alimentação necessária ao evento: café da manhã, almoço, jantar, coffee break por um dia.

E assim foram as demais negociações de Casanova. Todas bem sucedidas. Sempre bem vestido, ele almoçou ou jantou nos melhores restaurantes da cidade, pagou as contas e ofereceu charutos para cada um dos fornecedores do evento. E todos eles concordaram em prestar serviço sem receber antes do final do evento.

Só faltava um detalhe a ser acertado: o Centro de Convenções. O problema é que a Empresa já havia alugado o Centro de Convenções por duas ocasiões e nunca tinha quitado os alugueis. Por conta disso, o Administrador do Centro de Convenções estava irredutível e não queria nem conversar. Casanova não se fez de rogado, ligou para a secretária do Administrador e deixou recado dizendo que na semana seguinte estaria lá para conversar pessoalmente, nem que precisasse acampar na frente do Centro de Convenções.

O recado dizia na semana seguinte, mas naquele mesmo dia Casanova voou de primeira classe até a cidade onde ficava o Centro de Convenções. Em vez de ir procurar imediatamente o Administrador, Casanova se hospedou no melhor hotel da cidade, na suíte mais cara. Durante aquela semana, comeu o que havia de melhor nos principais menus daquela cidade. Também frequentou o principal bordel da cidade, na ilustre companhia do Prefeito, do Presidente da Associação Comercial, do Juiz e do Vigário. E passeou para cima e para baixo com belas mulheres. Jogou golfe com alguns vereadores e fazendeiros. No final da semana, Casanova já era uma das pessoas mais famosas e queridas da cidade.

Numa manhã, sem avisar, Casanova apareceu no escritório do Administrador do Centro de Convenções. Não precisou acampar lá para ser recebido, pois sua fama o precedia. Ainda sim, a conversa foi tensa e o Administrador deixou bem claro que não iria alugar o Centro de Convenções sem que a Empresa pagasse adiantado o aluguel. E não aceitaria receber após o evento, apenas adiantado. Mas Casanova se adiantou:

- Meu caro, é exatamente isso que eu estava querendo dizer! Dessa vez nós iremos pagar adiantado pela realização do evento. E digo mais, pagaremos também o valor dos dois alugueis dos eventos anteriores.
- É mesmo? – e o Administrador coçou a cabeça desconfiado.
- É isso mesmo. Vim aqui pessoalmente apenas para confirmar a reserva da data com o senhor, coisa que eu preferia fazer por telefone, mas não consegui, uma vez que você não me atendia!
-Hum! – pensou o Administrador ainda desconfiado – Está bem. Está feita a reserva. Mas eu só abro o Centro de Convenções quando receber os valores dos alugueis.
- Perfeito! Aceita um charuto?

A Diretoria Executiva da Empresa comemorou as realizações de Casanova com champanhe francês. De fato, ele cobrava caro, mas era muito competente no que fazia. E começaram os preparativos para o grande evento.

Conforme os dias foram se passando, cada vez mais participantes aderiam ao evento, pagando a taxa de inscrição e confirmando sua participação. Logo as vagas se esgotaram. Sucesso absoluto.

E, cada vez que o Administrador do Centro de Convenções telefonava para perguntar sobre o pagamento adiantado dos alugueis, Casanova dava uma desculpa diferente, porém convincente.

Eis que chegou o dia do grande evento. Todos os participantes foram bem recebidos, bem alojados em hotel e bem alimentados no café da manhã. (Cujos fornecedores só receberiam após o evento). Em seguida iriam todos para o Centro de Convenções.

Naquele dia, Casanova levantou sem fazer a barba e pentear o cabelo. Vestiu um terno amarrotado e uma camisa malpassada, o nó da gravata estava frouxo e o sapato sem graxa. Antes dos participantes do evento, ele foi até o Centro de Convenções.

Lá chegando, encontrou o Administrador de braços cruzados, cara fechada e chave na mão. Estava tudo trancado até o pagamento ser efetuado.

- E então, Casanova? – perguntou o Administrador – E o pagamento? Como vai ser?

E Casanova desabou e começou a chorar!
- Eu não sei! – e abraçou o Administrador – Tem mais de 1000 convidados vindo pra cá! Importantes empresários e executivos! Gente de todo o Brasil! E vão quebrar tudo porque a Empresa não conseguiu sacar o dinheiro por causa do horário bancário! Antes que a gente consiga fazer qualquer coisa, estará tudo arruinado! Tanto nós, como vocês!

Desnorteado pela notícia e chocado pelo abraço que recebia de Casanova (uma reação inesperada), o Administrador tomou uma decisão.

- Tá bom, Casanova! Pare de chorar! E pare de me abraçar! Vou abrir o Centro de Convenções. Até porque, já perdi o dia reservado e não ganho nada o mantendo fechado. Mas quero o dinheiro assim que os bancos abrirem!

E foi assim que, graças ao abraço do Casanova, o evento ocorreu sem incidentes. Dizem que foi um grande sucesso financeiro que rendeu dinheiro suficiente para pagar o aluguel do Centro de Convenções (e os atrasados), quitar as despesas com os fornecedores, liquidar as antigas dívidas da Empresa, os altos honorários do Casanova e ainda sobraria bastante lucro. Apenas dizem, porque ninguém sabe ao certo o valor, uma vez que Arthur, o Diretor Financeiro, fugiu com todo o dinheiro e nunca mais foi visto. Segundo boatos, ele e Casanova montaram um hotel de luxo para ricaços no caribe e lá vivem como reis.

E até hoje a expressão “abraço do Casanova” é usada por estelionatários do mundo inteiro como sinônimo para “golpe de mestre”.

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