quarta-feira, 17 de junho de 2009

A Carta

Parte 1

Estou em meu apartamento
Sentado na sala em frente a uma grande mesa
Limpo uma velha faca de prata
Sobre a mesa vários livros de poetas malditos, ferramentas e fumo
Atrás de mim, na janela, um relâmpago corta o céu escuro
Sua luz é muito fraca para iluminar a sala
Seu som está muito longe para que eu possa ouvi-lo
Mesmo assim, sinto o relâmpago
Uma tempestade está chegando

Caminho só pelo centro da cidade
É noite
Ando pelas ruas vazias e o som da sola de meus sapatos ecoa no asfalto
As luzes dos postes são fracas e intermitentes
Viro em uma rua larga de prédios altos
Um mendigo que dorme enrolado em sacos plásticos me lança ameaças, mas não se levanta para concretizá-las
Os trovões rompem o silêncio da noite
Paro em frente ao maior dos prédios
O porteiro estranha o horário, mas me conhece
O elevador faz muitos barulhos e treme
Olho para a porta elegante de um escritório
Tenho as chaves
Reviro todos os arquivos
Vasculho nos computadores
Lá fora os trovões ficam mais freqüentes

Periferia
Estou em frente a casa onde cresci
O enorme muro de pedras esconde a fachada
A cerca de arame farpado circular é nova, lembra um campo de concentração
A rua está completamente vazia e cheia de lixo
Pulo o muro
O cheiro de mofo enche minhas narinas
Ando pela casa abandonada
Meu pai morreu há quinze anos, minha mãe há seis
Um rato corre por entre meus pés
Procuro desesperadamente na estante de livros
Lá fora, um uivo é seguido pelo som da chuva castigando as telhas
A madeira do piso range a cada passo, exatamente como eu me lembrava, apenas mais escuro

Estou novamente em meu apartamento
Encharcado e sujo de terra
Pela janela posso ver a tempestade, com muitos raios e trovões
No armário, abro uma caixa pela primeira vez em anos
Lá está o livro
Ele me deu antes de morrer
Nunca li
E lá está a carta, usada como marcador na mesma página em que ele parou a leitura

Silêncio


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